quinta-feira, 9 de julho de 2020

Epicuro e o tripé da felicidade


Como representar o tripé da felicidade numa imagem? Boa pergunta.
Como representar o tripé da felicidade numa imagem? Boa pergunta.


“Não é ao jovem que se deve considerar feliz e invejável, mas ao ancião que viveu uma bela vida. O jovem na flor da juventude é instável e é arrastado em todas as direções pela fortuna; pelo contrário, o velho ancorou na velhice como em um porto seguro e os bens que antes esperou cheio de ansiedade e de dúvida os possui agora cingidos com firme e agradecida lembrança.” – Epicuro

A capacidade de ser feliz era um tema constante entre os pensadores da Antiguidade, como Epicuro, um filósofo grego que vivia perto de Atenas, onde nasceu em 341 antes de Cristo e faleceu por volta de 270 antes de Cristo.

Em sua busca incessante pela felicidade, Epicuro chegou na definição de três pontos fundamentais: o primeiro deles seria ter uma vida bem analisada; o segundo ponto seria a liberdade para fazer as próprias escolhas e poder segui-las, e o terceiro ponto seria o cultivo da amizade. Esses três pontos configuram o que a gente chama hoje de “tripé da felicidade”.

Tempo para ouvir os próprios pensamentos


Sobre o primeiro ponto para Epicuro, que seria uma vida bem analisada: como nós podemos transpor isso para os tempos atuais? Temos uma vida tão corrida e cheia de afazeres. Esta é a chave para você entender porque as pessoas ficam tão aflitas hoje em dia: elas lidam com um cotidiano muito automatizado, repleto de pequenas rotinas que vão se acumulando. Nesse turbilhão, poucos se lembram de tirar um tempo para si mesmos, para pensar na vida.

É preciso parar para pensar na própria vida: imaginar sobre o futuro, refletir sobre o presente e revisitar o passado. Alguns podem reservar um momento do dia para fazer uma meditação. Quem sabe outras pessoas possam fazer breves orações. Há quem possa sentar para ouvir um disco de vinil sem ficar pulando faixa. 

Ler um bom livro também é ótima pedida. Quantas boas obras estão esperando para serem lidas? Além do mais, não existiam tantos livros assim na Antiguidade, quando poucos eram alfabetizados.

Quem arranja um tempo para analisar a própria vida adquire autoconhecimento: fonte de equilíbrio emocional para enfrentar situações difíceis da vida. Isso não garante a felicidade plena, mas ajuda cada pessoa a perceber os momentos de felicidade que certamente virá. 

Ser livre para decidir


O segundo ponto, que seria a liberdade para fazer as próprias escolhas e poder segui-las, esbarra numa questão política. Epicuro vivia nos arredores de Atenas – uma cidade que poderíamos definir como uma metrópole da época, em termos proporcionais. Ele se afastou do centro e foi viver numa região mais retirada, numa casa que tinha um grande jardim, onde moravam também alguns de seus seguidores, numa espécie de sítio.

Epicuro não se interessava muito pela política do dia a dia. Ele até acompanhava as principais questões de sua época, mas não queria se aborrecer com as picuinhas da politicagem. Isso vale para os nossos dias também. Hoje temos uma política bipolarizada: de um lado a esquerda e do outro a direita, de modo que aquele que toma partido por um dos lados, na verdade está se diminuindo.

A proposta de Epicuro é que você viva de modo que as decisões políticas não te afetem diretamente. É um desafio que ele mesmo se propôs a cumprir. Quando você refuta tomar partido para não se diminuir frente ao todo, não quer dizer que você é uma pessoa “isentona” e não significa que você está vivendo de modo alienado. Longe disso: é necessário ter consciência dos fatos políticos, mas isso não pode afetar o seu humor, pois se você levar a política muito a sério, sofrerá desentendimentos com pessoas ao seu redor – o que seria algo contraproducente na busca por momentos de felicidade.

Dinheiro traz felicidade? Ajuda


Ainda sobre o segundo ponto, podemos relacionar a liberdade para seguir as próprias escolhas com a independência financeira. Muitas pessoas são presas em dívidas ou grandes financiamentos. Outros se prendem a trabalhos insatisfatórios. Muitos acreditam que devem levar aquela vidinha previsível, sem grandes aspirações: alguns até sentem vontade de mudar, mas não conseguem e ficam protelando essa situação, sem tentar começar de novo em outra área, por exemplo. 

Logo, essa questão de encorajamento para combater o conformismo depende de cada um controlar suas próprias contas. Ou seja, viver com menos do que se ganha é, também, um dos segredos para ser feliz. Viver endividado não é o caminho.

Amizade rima com honestidade


Finalmente, o terceiro ponto é o cultivo da amizade. Epicuro afirmava que era uma tristeza fazer uma refeição sozinho. Ele gostava de almoçar e de fazer a ceia ao lado de amigos com quem gostava de conversar. Para o filósofo, a vida deveria ser compartilhada com amigos.

As experiências que você vive junto com outras pessoas oferta momentos de felicidade. Já as pessoas que se isolam muito, acabam sedimentando um temperamento menos feliz. Nessa proza trago as palavras de Cícero, um filósofo e jurista da Roma Antiga, que viveu no século anterior ao nascimento de Cristo. Para o intelectual, somente duas pessoas honestas conseguem desenvolver uma amizade duradoura. Portanto, aqui faço o meu apontamento: você quer ter chance de ser feliz? Então seja honesto e viva junto de pessoas honestas.

Ter sem ser não resolve


Sobretudo, podemos concluir que Epicuro não falou que a posse das coisas traz felicidade. Se ele vivesse hoje, não diria que um carro novo traz a felicidade para alguém, ou de repente uma viagem para Disneylândia. Ao contrário: ele pregava uma vida simples. Na casa onde morava, a comunidade cultivava os próprios alimentos, como frutas, verduras e legumes. 

Dizem até que ele apreciava refeições na base de repolho e quando alguém vinha de Atenas para uma visita, trazendo um pedaço de carne ou mesmo um bocado de queijo, então era um dia de banquete. Epicuro e seus amigos se deliciavam com coisas simples da vida e percebiam essas ocasiões como momentos de felicidade, porque a felicidade é isso: você tem aquele momento triste para poder comparar com um momento feliz. Depois você põe tudo na balança para saber se teve uma vida bem-aventurada.

Epicuro reagiria bem ao Brasil da pandemia?


Se a gente pudesse imaginar que Epicuro fosse um brasileiro vivendo nos tempos atuais, acredito que ele saberia lidar muito bem com essa questão da quarentena. Em primeiro lugar, ele não viveria numa grande cidade: ele fugiria de São Paulo e Rio de Janeiro, preferindo morar numa cidade pequena, talvez do sul de Minas Gerais ou no Circuito Paulista das Águas. Talvez na Serra Gaúcha, no interior de Santa Catarina ou quem sabe até numa praia nordestina.

Epicuro viveria numa cidade mais afastada e não se importaria muito com quem estivesse ocupando os mandatos. Ele torceria para termos alternância de poder, porque isso também traz equilíbrio para a sociedade. Quando você coloca a mão no fogo por um político, cedo ou tarde descobre que ele desapontará a população. Portanto, a alternância de poder é saudável para a democracia e para a felicidade das pessoas. Não vale a pena brigar por causa disso.

Retomando, imagino Epicuro vivendo num sítio em Bueno Brandão, lá no sul de Minas Gerais, na divisa com Socorro, em São Paulo. Quem sabe ele tivesse um sítio para produzir geleia de groselha ou quiçá vinho de laranja. Seu cotidiano, mesmo com a paralisação da economia por causa do Coronavírus, não seria drasticamente alterado. Ele seguiria com bons amigos em seu entorno e não faria questão alguma de aparecer.

Repetir para não esquecer


Esse exercício de imaginação é só isso: imaginação. O que importa é tirarmos lições do passado que valem até hoje. Então, vamos reforçar o tripé da infelicidade: 

I) Uma vida bem analisada – tire cinco minutos do seu dia para pensar na vida, quem sabe tomando banho ou fazendo uma caminhada.

II) Liberdade para fazer escolhas e seguir as próprias escolhas – faça uma leitura crítica do seu cenário político, mas não deixe isso acabar com seu dia. Cuide bem de suas contas. Invista!

III) Cultive as amizades – isto nós podemos fazer em demasia, porque as redes sociais possuem o seu lado ruim com as fake news, mas há o lado bom de aproximar as pessoas de países diferentes e de culturas diferentes, que tenham alguma afinidade com você. 

Eu, por exemplo, estou sozinho aqui no escritório escrevendo este breve texto. Quem sabe você possa ler estas linhas e sentir um momento de felicidade. Seria uma felicidade para mim, também.

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2 comentários:

  1. Bom dia ( tarde ou noite ), amigo Jean. Parabéns pelo blog e pelos livros da Suno! Ler este trecho mudou o dia de um jovem médico na batalha contra a peste que nos assola . Um grande abraço e o meu mais sincero obrigado.

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    1. Caro amigo, esse blog é como uma garrafa que eu soltei no mar, com algumas mensagens dentro dela. Fico feliz que a tenha encontrado. Saiba que estou na torcida por você. Abraço!

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