“O assassinato de Júlio César” (1804~1805), pintura de Vincenzo Camuccini (1771-1844) exposta na Galeria Nacional de Arte Moderna e Contemporânea em Roma, Itália. |
O provérbio já ensinava há dois milênios que para “a mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Pompeia perdeu o posto de esposa do pontífice romano em função de uma festa mal organizada. Este episódio oferece ensinamentos até hoje.
Uma sociedade minimamente organizada e desenvolvida pode ser analisada pelo seu grau de formalismo e hierarquia, de modo que quanto maior o cargo que uma pessoa ocupa nesta sociedade, maior será a cobrança em relação ao seu comportamento público e também privado.
Mais poder: mais cobrança
Tomemos como exemplo uma fabricante de carros com motores elétricos. Ao funcionário responsável pela correspondência e pequenos serviços, o chamado office-boy, eventualmente lhe é permitido usar camisetas estampadas, e o que ele diz tem pouca ou nenhuma repercussão. Já o operário que trabalha na linha de produção é obrigado a usar um macacão e equipamentos de segurança: ele pode ser repreendido pelo simples fato de não estar usando um protetor auricular – o que seria uma falha de postura. Vale registrar que o chefe, ao lhe chamar a atenção, deve fazer isso respeitando a compostura do ambiente de trabalho, sob a pena de ser acusado de praticar assédio moral.
Subindo ao mezanino temos os funcionários nos escritórios. Deles certamente se espera que usem camisas com colarinhos, com a logomarca da empresa no bolso esquerdo do peito. Uma série de condutas é imposta para eles antes mesmo de suas admissões no trabalho. O setor de recursos humanos que os recruta não analisa apenas o currículo de cada um, mas também o perfil em redes sociais. Uma foto de bebedeira no casamento do primo há cinco anos já é suficiente para prejudicar a carreira de alguém.
A secretária do diretor deve se vestir impecavelmente, além de caprichar na maquiagem e no cabelo. É imprescindível falar duas ou três línguas e causar uma boa impressão em qualquer reunião com agentes de outras companhias, autoridades governamentais, outros diretores. Estes são fiscalizados até fora do ambiente de trabalho: em viagens de avião, em restaurantes, no trânsito. O comportamento cordial que eles devem manter pode refletir na imagem que a empresa tem perante a opinião pública, cada vez mais subsidiada pelo imediatismo da Internet, com seus milhões de olhos e ouvidos eletrônicos.
Chegamos ao posto do presidente ou comandante em chefe da companhia. O mercado presta atenção em absolutamente todas as suas declarações. As cotações das ações das empresas podem variar em função disso. Se o CEO da fabricante de carros publicar uma frase infeliz no Twitter, as ações da sua empresa podem despencar no pregão da Bolsa no dia seguinte, fazendo o negócio perder milhões de dólares em valor de mercado.
Só um tirano não é fiscalizado
O conselho da empresa que representa os acionistas pode considerar isso uma falha eventual de compostura, mas se ela for repetida uma segunda vez – quem sabe uma terceira ou quarta vez – pode configurar uma falha de postura do presidente, que insiste em comentários infelizes que repercutem pessimamente. Esta situação pode chegar ao ponto do conselho pedir a renúncia do presidente na companhia.
Repare que, neste exemplo, o dirigente máximo da empresa primeiro perdeu a compostura, depois perdeu a postura e finalmente perdeu o posto. Não por acaso, posto, postura e compostura são palavras com a mesma raiz.
Gestores são espelhos das entidades que representam
Investidores de longo prazo não analisam apenas os resultados de uma empresa, sua lucratividade, seu potencial de crescimento e outros fundamentos. Eles analisam também a qualidade dos gestores, seu comprometimento com o negócio, suas posturas e composturas, dado que isso reflete na confiabilidade que eles transmitem, ou não, para os agentes do mercado.
Na política ocorre algo semelhante, especialmente em países democráticos. Quanto maior o cargo que um mandatário ocupa, maior será a exigência sobre seu decoro e respeito à etiqueta – uma palavra que eventualmente pode ficar fora de moda, mas que anda de mãos dadas com a ética.
Requisitos para debates e mandatos
Uma situação é a campanha eleitoral. Para que haja um debate político, se espera das pessoas que ocupam os postos de candidatos que tenham posturas claras frentes aos temas mais pertinentes que se apresentam no cenário. Além disso, se espera que eles tenham compostura para debater, respeitando o pensamento contraditório sem desqualificar os oponentes por outros meios que não sejam as argumentações em torno do tema discutido.
Um candidato pode ser um gentleman, um perfeito diplomata e o rei da compostura, mas se ele não tiver posturas claras em questões políticas – ou seja, é um sujeito que no jargão popular “fica em cima do muro” – ele não será respeitado e não merecerá o voto do eleitor.
De outro lado podemos ter alguém absolutamente incisivo e radical frente às demandas da sociedade. De pouco adiantará se for alguém despreparado para falar em público, cujo vocabulário inclui palavrões e expressões chulas. Igualmente é um candidato desqualificado para o cargo almejado.
Por vezes o eleitorado fica sem alternativas e escolhe aquele que considera o menos pior. Porém, não importa quem seja o vencedor: quando um candidato – a quem se permite que fale o que seu eleitorado quer ouvir – se converte em mandatário, ele passa a dever satisfações não apenas para seus eleitores, mas para a totalidade da população. Portanto, a liturgia do cargo deve ser respeitada. Aquele que não deseja ser cobrado por isso não merece o cargo que ocupa.
O mercado não perdoa
O mercado – esse sujeito sem face, volátil e ubíquo – igualmente monitora as declarações dos principais líderes políticos mundiais. Através das grandes empresas de alcance global, o mercado exerce forte influência sobre os corpos diplomáticos das nações e isso repercute nas destinações de bilhões e bilhões de dólares via relações comerciais permeadas de interesses econômicos entre países e blocos de países.
Uma bobagem impensada, de um presidente que se comporta como um eterno candidato em palanque virtual, pode literalmente atrasar o desenvolvimento de um país. Não basta que ele tenha uma postura clara, que eventualmente agrade ao mercado, é preciso que ele se atenha à compostura, se quiser preservar seu posto.
Os eleitores de uma nação são como os acionistas de uma empresa de capital aberto: se as coisas não vão bem com os gestores, o caminho é provocar o conselho de representantes. Isso funciona bem no capitalismo e deveria funcionar melhor numa democracia.
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Texto OK!
ResponderExcluirParabéns, Jean!
Pensamentos para reflexões cidadãs nesses novos velhos tempos do Brasil:
“Nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada”. - Otto Von Bismarck
“A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência é dada pelos homens que o cercam”. - Nicolau Maquiavel
“É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente porque a desejamos. Só é moral o desejo acompanhado da severa vontade de prover os meios da sua execução”. - José Ortega Y Gasset
"O povo brasileiro, pela primeira vez na América Latina, deu a demonstração de que é possível o mesmo povo que elege o político, destituir esse político. Peço a Deus que o povo brasileiro não esqueça essa lição". - Luiz Inácio Lula da Silva (sobre o impeachment de Collor)
“Hoje é sempre o dia certo, de fazer as coisas certas, da maneira certa. Depois será tarde”. - Martin Luther King
“O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente”. - Mahatma Gandhi
Concluindo,
Um político demagogo contumaz surpreende quando age em favor da sociedade. Um pretenso estadista também surpreende, mas quando descobrem que seus discursos são contumazes demagogias.
AHT