sábado, 13 de abril de 2019

O pessimismo como estratégia de investimento

Busto de Epicuro exposto no Museu Britânico em Londres.
Busto de Epicuro exposto no Museu Britânico em Londres.

A Bolsa de São Paulo está rompendo a barreira histórica dos 100 mil pontos e mais de um milhão de pessoas físicas cadastradas em seus bancos de dados. Cenário ideal para incentivar investidores novatos e otimistas. Mas não seria melhor ser pessimista nestas horas?

O século 21 chegou feito uma bandeira amarela numa corrida das 500 milhas de Indianápolis, embaralhando os retardatários da prova com os competidores mais preparados. No YouTube autoridades colegiais nascem diariamente falando sobre assuntos complexos e obtendo mais audiência do que doutores acostumados a escrever, mas sem traquejo para falar.

Hoje qualquer pessoa pode ter o seu canal de comunicação, angariar seguidores e seguir muita gente. O acesso à informação foi democratizado na enésima potência, mas o acesso ao conhecimento ainda não acompanhou este processo, pois são tantos os estímulos que não sabemos precisamente em quem prestar atenção.

De certo, muita gente não tem nada de novo para acrescentar e apenas reproduz o que outras pessoas já disseram. Este talvez seja um critério para eleger quem são as autoridades de fato: saber quantas pessoas repercutem o que estes autores aparentemente mais destacados afirmam.

Outro caminho, mais conservador e menos influenciado pelo comportamento de manada, é recorrer aos clássicos, desde os filósofos da Grécia Antiga, passando por pensadores do Império Romano e chegando ao Iluminismo: Platão, Sócrates, Epicuro, Sêneca, Cícero, Voltaire, Descartes e Schopenhauer, só para citar alguns.

Nenhum deles conheceu as modernas Bolsas de Valores, embora se saiba que Descartes ganhou dinheiro deste modo, na Bolsa embrionária de Amsterdam, em pleno século 17. Porém, muito do que estes autores imortais produziram pode ser traduzido com sucesso para o ambiente do mercado financeiro e para o amadurecimento da mentalidade do investidor.

O tripé da felicidade

Epicuro, por exemplo, viveu três séculos antes de Cristo e ocupou sua vida tratando da busca pela felicidade, que para ele poderia ser alcançada através de um tripé que consistia numa vida bem analisada, a companhia de amigos sinceros e leais, e na liberdade. Liberdade que se baseava inclusive na independência financeira, não no sentido da obtenção da riqueza pela riqueza, mas no ajuste do padrão de vida de modo a não depender de questões políticas e econômicas regidas por personagens tiranos.

Quem investe no mercado de capitais e gosta de ler, já ouviu falar de autores como Taleb e Damodaran. O primeiro é conhecido por sua abordagem sobre o caos e pela necessidade de ser antifrágil para se proteger dos “cisnes negros”. O segundo é o guru do Valuation e do manejo de investimentos.

Logicamente a leitura de seus livros é sempre válida, mas há outros autores que merecem ser conhecidos. Entre eles está Alain de Botton. Já tratamos da resenha de um de seus livros no site da Suno Research: “Desejo de status”. Ele não aborda diretamente as questões comportamentais de investidores no mercado financeiro, mas como catalisador de autores clássicos da História, podemos tirar valiosas lições de seu discurso.

O pessimismo segundo Botton

Alain de Botton prega que as pessoas devem ser mais pessimistas. Para ele, “o otimismo é a maior falha do mundo moderno”.  No entanto, o pessimismo a que se refere o filósofo não é aquele relacionado com a alimentação de pensamentos negativistas, mas tão somente aquele que combate o excesso de expectativas, pois são expectativas não realizadas as maiores causadoras das frustrações para as pessoas.

Por exemplo:

“Vou cursar Economia na melhor faculdade de São Paulo e depois terei um ótimo emprego.”

“Vou namorar aquela pessoa e em breve ela vai se casar comigo.”

Pode ser que essas coisas não aconteçam e isso seria normal. Mas o otimista talvez pense que isso terá sido um grande azar e que não deveria ter acontecido come ele. Grandes expectativas frustradas causam grandes estragos emocionais.

O espirro

Suponha que alguém espirrou na rua. Se for um otimista, ele poderá pensar:

“Foi só um espirro. Tem muita poeira nesta calçada.”

Já se for um pessimista, o pior será esperado:

“Será que vou ficar gripado e perder três dias de trabalho? Vou adiantar alguns compromissos para esta semana ainda hoje.”

No dia seguinte o sujeito ficou resfriado. Como otimista ele ficaria chateado. Mas o pessimista conclui:

“Oba, foi só um resfriado. Posso trabalhar. Vou sarar mais rápido.”

Como esta lógica funciona na Bolsa de Valores?

Estamos no primeiro semestre de 2019, numa encruzilhada histórica no Brasil. Mais uma vez o Congresso discute a Reforma da Previdência. Como um otimista convicto pode reagir a isto?

“A Reforma será aprovada integralmente. A Bolsa vai subir feito um foguete. Vou comprar todas as ações que puder agora.”

E para o pessimista, como seria sua visão?

“Esta reforma não sai de jeito nenhum. É questão de tempo para que os investidores estrangeiros comecem a tirar dinheiro daqui. A Bolsa vai despencar. Como as ações das melhores empresas ficarão mais baratas, vou dividir meus aportes em ativos de renda variável e títulos resgatáveis de renda fixa, para poder comprar de baciada quando os demais estiverem desesperados para vender.”

Provavelmente não vai acontecer nem uma coisa nem outra (podem me cobrar no futuro sobre isso). A Reforma da Previdência não será aprovada integramente, em tempo ágil, e nem cancelada. Podem ocorrer atrasos e uma Reforma modificada que sustente o cenário brasileiro por mais alguns anos. Os detalhes deste procedimento são imprevisíveis, mas qualquer coisa que acontecer no meio do caminho vai beneficiar o investidor pessimista, e não o otimista demais.

Precaução, canja de galinha e Rock

De fato, a Bolsa de São Paulo está num momento que favorece os otimistas: beirando os 100 mil pontos e ultrapassando um milhão de CPFs cadastrados – um recorde histórico. Tem muita gente empolgada mergulhando de cabeça na renda variável. É questão de tempo para a frustração pegar muitos de surpresa. Mas os poucos pessimistas seguem firmes, esperando pelo pior, uma vez que qualquer coisa diferente disso será lucro.

Epicuro cultivava hábitos simples e se vestia sem pompas. A comida que o alimentava era saudável, embora pouco sofisticada, mas ele fazia questão de fazer as refeições entre amigos. Quando lhe ofereciam um talho de queijo, o presente era recebido como um banquete. O mestre de Alain de Botton tinha poucas expectativas: se fosse um investidor moderno na Bolsa de Valores, teria grandes chances de sucesso.

Não temos mais a maioria de seus 300 livros para ler. Seus escritos se perderam com os milênios. Mas podemos ouvir um Pop Rock para compensar. Um dos grandes sucessos do Muse, “Starlight”, trata justamente disso. No refrão eles cantam:


Veja também:


Vivalendo.com recomenda:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O seu comentário construtivo será bem vindo. Não publicaremos ofensas pessoais ou dirigidas para qualquer entidade. EVITE ESCREVER SOMENTE COM MAIÚSCULAS. Não propague spam. Links e assuntos não relacionados ao tema da postagem serão recusados. Não use termos chulos ou linguagem pejorativa.