segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Dias das Bruxas? Protesto!

Detalhe do retrato de Martinho Lutero, feito por Lucas Cranach em 1528. (Texto publicado no Facebook em 31 de outubro de 2012 e revisado aqui).
Detalhe do retrato de Martinho Lutero, feito por Lucas Cranach em 1528.

31 de Outubro. Para muitos é o Dia das Bruxas. Para outros é o Dia do Saci. Mas para a Cultura Ocidental, da qual você faz parte mesmo sem querer - desde que esteja lendo esta mensagem - 31 de Outubro é o Dia da Reforma Protestante.

meio milênio o Padre Martinho Lutero - que após ser excomungado se tornaria Pastor - declarava suas teses contra as práticas da Igreja Católica (que na época vendia indulgências - algo como um lugar no paraíso ou seguro de perdão pós-morte dos pecados) dando início à Igreja Luterana e posteriormente a outras crenças protestantes, cuja ética influenciou o Iluminismo e a Revolução Industrial.

Se hoje você tem liberdade religiosa - e até liberdade para não crer - 31 de Outubro é um dia para ser comemorado.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Cinema independente de Campinas em busca da eternidade

Frame do curta metragem "Eternidade", de Flávio Carnielli.
Frame do curta metragem "Eternidade", de Flávio Carnielli.

Conheci o diretor e produtor de cinema Flávio Carnielli num encontro de carros antigos realizado em Paulínia. Ele estava procurando proprietários de veículos nacionais dos anos de 1960 a 1980 que pudessem emprestar os carros para gravar cenas para seu projeto de longa metragem "O Nascimento de Mary Black" - uma alegoria sobre corridas automobilísticas onde o que importa é permanecer vivo.

Acabei emprestando meu MP Lafer 1974 e meus dotes de canastrão para algumas sequências do filme e desse contato surgiu uma troca mútua de favores. O Carnielli e sua esposa, Helen Quintans, fizeram a cobertura fotográfica do lançamento do meu livro "Arquiteto 1.0" em Campinas.

Os projetos cinematográficos do Flávio e os meus projetos literários tem algo em comum: são realizados de forma independente, sem qualquer subsídio governamental. Temos em comum, também, as portas fechadas para a divulgação de nossos trabalhos em grandes veículos de comunicação. Cada um, ao seu modo, vive fora das panelinhas de seus ofícios. É por isso que respeito o Flávio. Ele é adepto da escola do "livre pensar", da qual também faço parte.

Há alguns dias recebi o convite do Flávio para prestigiar a estreia de seu curta metragem "Eternidade", estrelado e co-produzido pelo ator Filastor Brega, que também conheci durante as filmagens de "Mary Black".

Serei franco com você: fui ao cinema do Shopping Parque Prado em Campinas mais pela consideração ao Flávio, como pessoa, do que movido pela curiosidade de ver seu filme que, na minha cabeça de arquiteto comportado, seria um exercício de experimentação de linguagem de difícil compreensão. Porém, fui surpreendido pela qualidade da produção em todos os sentidos.

Antes da exibição de "Eternidade" os espectadores foram anestesiados com a exibição de outro curta metragem do Flávio e da Helen - o doce e poético "O Livro da Salvação", semifinalista da 39ª edição do Festival Internacional de Cine Independiente de Elche, na Espanha. Depois fomos chacoalhados pelo trailer de "Mary Black" onde até meu MP Lafer apareceu de relance, atiçando a curiosidade pelo lançamento do filme.

Então, no ecrã, as imagens em preto e branco, inspiradas no cinema expressionista alemão, tomaram conta da sala. A trama, centrada num casal separado pela morte que recorre à "Deusa da Eternidade" para se reencontrar, traz referências aos escritos de Edgar Allan Poe. Porém, mesmo quem nunca assistiu "Nosferatu"  ou leu qualquer conto de Poe, foi capturado pela atmosfera sombria e distópica criada por Carnielli, demonstrando domínio absoluto de técnicas cinematográficas fora de uso há várias décadas no cinema convencional.

Os diálogos foram suprimidos na trilha sonora do filme, e compreendidos através de legendas intercaladas com as cenas, como no cinema mudo de antigamente. Aliás, a trilha sonora composta e conduzida por Fabiano Negri é o único elemento que nos remete aos tempos atuais, com uma tocada de Pop-Rock ora empolgante e ora reflexiva, casando perfeitamente com o ritmo proposto por Carnielli.

O trabalho cenográfico de Helen Quintans e as atuações de Amanda Costa e Andréa Sesso seguem na mesma toada. Quase não dá para acreditar que se trata de uma produção realizada exclusivamente em Campinas, mas para quem é campineiro como eu, esta é somente mais uma das satisfações que temos, ao reclamar que o filme terminou cedo demais.

Fico imaginando quando o Flávio resolver homenagear outros estilos de cinema e grandes diretores, como Alfred Hitchcock e François Truffaut. Não resta dúvidas de que capacidade para tanto ele tem de sobra. Desde já o considero como o "Tarantino brasileiro". Só falta algum crítico isento do cinemão descobri-lo, para que ele e sua trupe possam alçar voos mais altos além do circuito de Campinas e região.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O lado negro da "Força"

Lucasfilm: o poster oficial de "Star Wars Episode IV: A New Hope" lançado em 1977. (Texto publicado no Facebook em 25 de outubro de 2012).
Lucasfilm: o poster oficial de "Star Wars Episode IV: A New Hope" lançado em 1977.

Darth Vader é o grande vilão de Guerra nas Estrelas. Preste atenção nele: vive escondido sob uma máscara tecnológica que o ajuda a respirar. Seu peito também é protegido por equipamentos de sua armadura. É uma pessoa totalmente dependente da tecnologia.

Pense nisso na próxima vez que for compra um celular mais moderno, um aparelho de GPS para o seu carro, um tablet que oculta a sua face quando alguém quer conversar com você. Pense nisso da próxima vez em que checar seu e-mail ou Facebook durante um almoço ou jantar entre amigos e família.

Não a toa, o herói de Guerra nas Estrelas, Lucky Skywalker, é orientado por seu mestre Jedi a acreditar na "antiga religião" e a não depender de aparatos tecnológicos, mas confiar no lado luminoso da "Força".

Que a "Força" esteja com você!

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Crepúsculo de jogo

A Igreja Matriz de Caçapava decorada para a celebração de um matrimônio.
A Igreja Matriz de Caçapava decorada para a celebração de um matrimônio.

Minha prima realizou o casamento do ano em Caçapava. A festa aconteceu na cidade vizinha de Taubaté, onde também nos hospedamos no fim de semana. Vans transportavam os convidados do salão da festa para o hotel, conforme eles se acomodavam nas cadeiras, vencidos pelo cansaço. Minha esposa voltou logo cedo, com nossa filha pequena. Voltei somente às quatro da madrugada, junto com meus pais.

Antes de deitar pensei: "Não vou passar o domingo dormindo neste hotel". Se acordasse tarde, perderia boa parte do dia na fila do check-out. Logo cedo tomamos um café da manhã reforçado e levei minha filha para conhecer Campos do Jordão, no alto da Serra da Mantiqueira. O sol nos acompanhou em todas as passagens.

Paramos um pouco na Ducha de Prata, que hoje não é mais de prata, mas talvez de alumínio anodizado. Seguimos então para o Pico do Itapeva, com 2.025 metros de altitude, invadindo o município de Pindamonhangaba em apenas 35 metros. Vimos algumas nuvens sob nossos pés sombreando alguns bairros das cidades que conseguíamos avistar dali.

Torres e retransmissores horrendos num lugar idílico: o ser humano consegue estragar tudo.
Torres e retransmissores horrendos num lugar idílico: o ser humano consegue estragar tudo.

E toca para o outro lado da região, indo quase ao sul de Minas Gerais, para almoçar no Horto Florestal. O prato do dia: truta com alcaparras, batata assada com queijo, salada agridoce, feijão, arroz e farofa. Criatividade zero. Sabor perto da nota dez, capaz de nos lembrar do sono acumulado. Por isso não estacionei no Capivari: o cappuccino mais caro do hemisfério não seria capaz de me despertar a contento. Bebi o café no pé da serra, abastecendo o carro.

O Horto Florestal de Campos do Jordão: um recanto bom para nada fazer, só contemplar.
O Horto Florestal de Campos do Jordão: um recanto bom para nada fazer, só contemplar.

Podia parar na casa das tias em Caçapava, para cochilar um pouco, mas resolvi tocar direto para Paulínia, ouvindo U2, Keane e Oasis. Quando deu cinco horas da tarde decepcionei minha esposa, passando por Nazaré Paulista: liguei o rádio para ouvir o jogo do Palmeiras, que neste ano tem chances reais de ser campeão brasileiro.

Que diferença de som! Ao invés dos acordes harmoniosos de Noel Gallagher, a voz de um locutor em ebulição, falando velozmente como se o mundo fosse acabar e ele tivesse que contar tudo o que sabe. É impossível compreender o jogo assim e não entendo a razão pela qual os narradores de futebol do rádio insistem neste expediente.

Quando passamos ao lado de um morro com elevações de pedras cortadas para aplainar a estrada, as estáticas emanadas pelas ondas de rádio me levaram a fazer uma viajem no tempo, dentro da viajem no carro. Subitamente me vi no banco traseiro da Belina do meu pai, de quem herdei as preferências futebolísticas e o hábito irritante (para os demais) de ouvir os jogos pelo rádio.

Nos difíceis anos de 1980 o Palmeiras invariavelmente perdia as grandes decisões, o que deixava aquelas viagens de carro ainda mais longas. Eu ouvia aquelas transmissões meio a contragosto. Parecia estar envolto numa nuvem de pernilongos atazanando meus ouvidos. No maio daquele zumbido geral alguém gritou gol:

- GOOOOOOOOOOOO...

"Gol do Palmeiras?" - Perguntei.

- OOOOOOOOOOOOO...

"Fica quieto." - Meu pai respondeu.

- OOOOOOOOLLLLLL...

"De quem? De quem?" - Indaguei.

"Calaboca!" - Ouvi de meu pai.

Aquele hiato de silêncio foi angustiante, até que o narrador, depois de recuperar o fôlego, entregou:

- DO SÃO PAAAAAULO!

Só deu tempo do meu pai resmungar antes de desligar o rádio: "Taquilparil."

Naquela época o goleiro Zetti não era capaz de deter o atacante Müller, quando a zaga do Verdão deixava ele sozinho na área.

O rádio no painel do carro: nosso companheiro de viagens.
O rádio no painel do carro: nosso companheiro de viagens.

Um nova rajada de estática invadiu o carro - como uma chuva de meteoritos vindos do espaço sideral para bombardear nossa atmosfera - e me vi novamente guiando a Pálio Weekend Adventure.

Percebi que aquela transmissão estava sendo um suplício para minha esposa. Sorte que a menina já estava dormindo na cadeirinha. "O Palmeiras vai ganhar e dará tempo de ver o final do jogo na TV, ao chegar em casa" - Pensei, confiante.

Então coloquei o CD do Supertramp. Adivinha que música tocou?

"Take The Long Way Home".

P.S. 1: sim, o Palmeiras ganhou, mas dormi sem ver o "Mesa Redonda".

P.S. 2: "Crepúsculo de jogo" é uma expressão cunhada por Fiori Gigliotti, o maior locutor que o futebol já teve.

Veja também:

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Bob "Nobel" Dylan

Quando todos os bilhetes são premiados: show dos Rolling Stones com Bob Dylan.
Quando todos os bilhetes são premiados: show dos Rolling Stones com Bob Dylan.

Na madrugada de 14 de abril de 1998, terça-feira, cheguei em casa por volta de 4:30 horas. Deu tempo de tomar um banho e cochilar um pouco, pois às 8:30 horas em ponto eu deveria estar na sala de aula do curso de Arquitetura da PUC de Campinas, para fazer a primeira apresentação oral do meu projeto final de graduação, valendo 50% da nota do semestre.

Quando os professores pediram para que eu fosse até a lousa mostrar meus desenhos e falar sobre o partido arquitetônico escolhido, minha olheiras abraçando os olhos vermelhos anteciparam minha voz rouca. Perguntaram se eu estava doente. Respondi que não. Tinha ido ao show dos Rolling Stones com Bob Dylan na véspera. Os professores me dispensaram e fui o único aluno que pode apresentar o trabalho com uma semana de atraso - um privilégio concedido para o único aluno da classe que prestigiou os ídolos da geração de seus professores. Eram meus ídolos também, e são até hoje.

Lembro de ter convidado alguns colegas para ir comigo. Além do preço proibitivo dos ingressos, a semana decisiva na faculdade estava pesando. O jeito foi me virar sozinho. Comprei a passagem num ônibus fretado que saiu de Campinas para São Paulo na segunda-feira. Sentei ao lado de uma aluna de Odontologia, uma menina bem "prafrentex" para o nosso tempo.

A garota era um torvelinho. Chegamos ainda de tarde no Estádio Ícaro de Castro, na pista de atletismo do Ibirapuera. Ela foi se embrenhando no meio da platéia, tentando chegar o mais perto possível do palco. Fui em seu encalço até que alguns cotovelos mais incisivos nos barraram. Espremida entre marmanjos, ela começou a se abanar com as mãos. Ficou ofegante e desmaiou.

"Ferrou" - pensei. "Vou ter que levar ela para a enfermaria e vamos perder o espetáculo". Chamaram os seguranças. Um deles a carregou nos braços. Ou outro perguntou se eu estava com ela. Respondi que sim. Nos levaram até o cordão de isolamento. No caminho ela levantou a cabeça por trás de um dos ombros do armário caminhante e me deu uma piscadela com o olho direito.

Ela começou a respirar estufando o peito e disse que já estava bem melhor. Os seguranças nos deixaram ali mesmo, na beira do palco. Foi dali que vi a Cássia Eller pela primeira vez, e sua comitiva rocambolesca de frente também. Depois foi a vez de Bob Dylan se apresentar.

Sinceridade das sinceridades? No fim dos anos de 1990 Bob Dylan já estava fanho. Suas execuções ao vivo não guardavam fidelidade com as versões gravadas em estúdio. E daí? Era Bob Dylan, o menestrel do século 20.

Finalmente os Rolling Stones surgiram pelas pontes da Babilônia - o tema da turnê daquele ano. Eram os grandes rivais dos Beatles, só que nunca largaram o osso. O clímax da noite foi quando Mick Jagger chamou Bob Dylan para cantarem juntos "Like a Rolling Stone". Estavam lá Keith Richards, Charlie Watts, Ron Wood, uma multidão, eu e a estudante de Odontologia testemunhando tudo - esqueci o nome dela, acho que era Patrícia.

É claro que aquele show foi memorável. Aquela noite significou muito para mim. Pela primeira vez vi de perto pessoas que eram como personagens dos gibis que lia. Talvez os Rolling Stones e Bob Dylan fossem heróis criados por Stan Lee ou Will Eisner e ninguém nos avisou. Mas eles eram de carne e osso. Eu comprovei.

E agora posso dizer - mero mortal que sou - que vi de perto um vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. Parabéns, Bob Dylan! Eu sempre soube que você escrevia bem demais da conta.
Veja também:

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

NEVERNETLAND

A bandeira de NEVERNETLAND. (Publicado no Facebook em 06 de outubro de 2015)
A bandeira de NEVERNETLAND.

Estou a procura de investidores para criar um parque turístico livre da internet e dos smartphones. Para entrar neste lugar o visitante terá que deixar num guarda-volumes qualquer aparelho conectável à internet, câmara fotográficas digitais e paus de selfie.

Em NEVERNETLAND as pessoas ficarão hospedadas por alguns dias, se desintoxicando da tecnologia das redes cibernéticas. Elas vão ter que conversar umas com as outras e não vão perder tempo fotografando tudo a cada 15 segundos.

O ingresso no parque dá direito a uma câmera fotográfica convencional, com filme de 12 poses. Deste modo as fotos serão bem selecionadas. Os negativos das imagens ficam no parque e a pessoa sai dele com as fotos impressas, como antigamente.

O papel da revelação das fotos será ultra sensível à luz de scanners. Deste modo as fotografias não poderão ser compartilhadas na internet, mas apenas vistas pessoalmente. As pessoas terão que se visitar para ver as imagens umas das outras.

As atrações do parque serão todas aquelas que já temos nas cidades e no campo, mas que não valorizamos por causa da distração causada pelo ambiente virtual. Por isso, os carros de NEVERNETLAND não terão aparelhos de GPS.

Aceito sugestões para aprimorar o escopo do projeto.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Ela se chamava Hertha

Publicado originalmente no Facebook em 05 de outubro de 2013.

Estes dias estava na casa do pai e ele colocou para tocar uma fita cassete digitalizada com músicas alemãs. A fita, por sua vez, tinha sido gravada a partir de discos de vinil que eram da vó Hertha, há muitos anos.

Quando meu pai passou a fita para o computador ele também digitalizou a capa, que eu havia desenhado, como fazia com diversas outras fitas das bandas de rock que gostava de ouvir no Fusca.

O sobrenome Tosetto entrega que sou descendente de italianos, mas também sou descendente de alemães e poloneses, por parte de mãe, de quem herdei o sobrenome Mantei, carregando também o sangue de Schadeck e Pähl.

Estas famílias vieram para o Brasil, quando o governo ofertou terras para os alemães desbravarem no começo do século 20, no Rio Grande do Sul e também em Santa Catarina e Paraná.

Gente brava, honesta e trabalhadora. Eles ajudaram a construir a riqueza deste país. Hoje estão querendo retomar parte destas terras - colônias - e devolver para quem nunca cultivou elas. Mas isso é outra história.

O que importa é lembrar com carinho da vó Hertha e do vô Ernesto, que falavam alemão e tomavam chimarrão, em cuja casa acolhedora eu sempre comia pão com "schmier".