quinta-feira, 26 de maio de 2022

Fragmentos de reflexões a espera de depuração

"O caranguejo" (1869), pintura de William-Adolphe Bouguereau  (1825–1905) leiloada pela Sotheby's em novembro de 2010.
"O caranguejo" (1869), pintura de William-Adolphe Bouguereau (1825–1905) leiloada pela Sotheby's em novembro de 2010.

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Quem gosta de fazer as coisas bem feitas no trabalho, um dia será chamado de chato. E quem se importar com isso ou agir para reverter a fama, na tentativa de ser um cara legal, se colocará em risco na carreira, pois quando um negócio mal feito dá prejuízo, ninguém alivia a barra.

Ser chato no trabalho, no sentido de ser caprichoso e atento aos detalhes, é uma coisa, ser grosseiro é outra.

Dá para ser educado e respeitoso no trato com as pessoas. Só não podemos ser negligentes, quando sabemos que as pessoas podem entregar algo melhor (inclusive nós mesmos).

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É o seguinte: se você tiver sorte, vai envelhecer. Seu cabelo ficará branco, suas bochechas despencarão, suas olheiras se aprofundarão e sua barriga aumentará. Então, se você não colocar algo de bom na sua cachola para sustentar uma conversa interessante, aí sim, lamentará. Leia.

E não leia apenas os bons livros. Leia os lugares diferentes que visitar, apreciando sua arquitetura ou belezas naturais. Leia as pessoas de seu convívio, prestando atenção no que elas falam. Leia as refeições com suas papilas gustativas, na tentativa de apreciar sabores distintos. E assim por diante.

Deste modo, quando alguém te perguntar algo, terá a chance de emitir uma opinião relevante. Daí, sua companhia será agradável, mesmo que você não apresente mais o vigor da juventude. A propósito, não desperdice a sua caminhando por aí com fones de ouvidos, um celular na mão e olhos voltados para a tela. Esse tipo de passividade dizima a qualidade de vida e provoca o isolamento das pessoas em relação à realidade.

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Falhar é um verbo intrínseco à condição humana. Podemos falhar tentando fazer a coisa certa, experimentando algo novo. Podemos falhar por falta de conhecimento, querendo aprender. Só não podemos falhar por negligência, pois esse tipo de erro custa muito caro e pode não ter volta.

Vários tipos de erros trazem lições e, por isso, são perdoáveis. Mas a negligência recorrente está associada a um desvio de caráter muito difícil de corrigir.

Por isso, os displicentes não fazem carreiras longas.

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Se a vida acontecesse do jeito que a gente planeja, qual seria a graça? Reformulando: é bom traçar metas e estabelecer objetivos, mas é melhor saber lidar com as adversidades e aprender com os erros, pois essa combinação nos faz valorizar aqueles dias de luzes onde tudo dá certo.

Pior é quando os outros planejam uma vida alheia, ao reconhecer um talento acima da média num jovem, por exemplo.

É o pai coordenando a carreira do garoto de ouro que joga futebol, e ele chega na idade adulta sem nunca ter levado um fora de uma garota, mas é desde cedo cobrado para ser o melhor do mundo.

Ou quem sabe o empresário que dita os rumos da carreira da cantora que não pode engordar e precisa aprender línguas pelas quais não sente identificação.

Aos olhares das multidões, essas celebridades levam vidas perfeitas, mas elas não tem a quem recorrer para preencher o vazio de suas almas, pois tudo o que tem para oferecer aos meros mortais são molduras de um quadro impossível de ser retratado.

Então, é bom saber que estamos por nossa conta e risco, aceitando de bom grado aquilo que a providência nos trouxe para a ordem do dia, quando podemos falhar e receber o perdão de quem nos cerca e nos compreende. Pois são com essas pessoas que dividimos anonimamente nossas pequenas vitórias.

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Um dia alguém vai puxar o fio da tomada e tudo que foi produzido na Internet será apagado. Quando estudarem nosso tempo, no futuro longínquo, serão pelos livros encontrados nos escombros de nossas bibliotecas que arqueólogos e historiadores descobrirão as pistas que nos retratam.

É por isso, entre outras coisas, que trabalho com livros. Isso não tem relação com ser saudosista, posto que os livros impressos são considerados como objetos obsoletos por muitos. Tem a ver com ser visionário, no sentido de produzir provas palpáveis que deixarão rastros do nosso tempo. Que sejam rastros relevantes, dignos de serem investigados.

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Para entender quem é quem no jogo político temperado com as fake news, leia "Hípias menor" de Platão, no qual Sócrates alega que os mentirosos conscientes são mais capacitados que os mentirosos inconscientes. Isso explica a longa carreira de alguns e a súbita derrocada de outros.

É um diálogo curtinho, mas esclarecedor.

P.S.: "Jean, grava um vídeo resumindo esse texto?"

Não, não gravo. Leia que vai te fazer bem.

Haverá quem ache isso um porre e deixará de me seguir. Não tem problema. A gente não joga para a torcida. Estamos aqui para compartilhar o que consideramos realmente relevante - e isso, no fundo, é para poucos.

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Segundo Schopenhauer, a dor e o tédio nos separam da felicidade. Então, muitos enriquecem para fugir da dor e sentem tédio quando atingem a independência financeira, pois não se desenvolveram intelectualmente neste processo. Logo, investir é bom desde que a cultura nos acompanhe.

Todo crescimento patrimonial é bem vindo, desde que acompanhado de crescimento pessoal.

Dinheiro é bom, mas quem só pensa nisso está perdendo o melhor da vida.

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O tempo é um ativo que você apenas perde, sem poder recuperar. A honra também: você nasce com ela e deve fazer o possível para preservá-la. Nenhum acúmulo de patrimônio terá valor se você perdê-la, pois a honra faz parte do seu caráter e as melhores carreiras são feitas com isso.

Honra e caráter: você pode ter, mas não pode dizer que tem, pois são as outras pessoas que podem afirmar isso sobre a sua pessoa, baseadas no conjunto de suas ações.

Logo, faça boas obras: é isso que cabe para cada um de nós.

Tem gente que troca a honra por um mandato eleitoral, outros por um posto no ministério. E tem gente que troca a honra por um aparelho de telefone celular, num assalto de esquina.

Quando o conjunto de pessoas deixa de falar em honra nos debates públicos, sabemos que a sociedade está doente.

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Querer mudar o mundo é uma ideia tão bonita quanto ingênua. Perseguir uma utopia é um desperdício de energia. Mais prudente é saber fazer a leitura da realidade que nos cerca e se posicionar para se proteger do lado ruim dela, para depois ver o que pode ser feito pela comunidade.

Um caminho certo para a infelicidade é querer mudar o mundo sem antes compreendê-lo por completo.

Uma dose de egoísmo, para reduzir nossas chances de sermos vítimas do sistema ou dependentes dos favores de outros, é recomendável, ao contrário do que pregam os pretensos revolucionários.

Em suma: devemos em primeiro lugar cuidar de nós mesmos, depois de nossas famílias e, se for possível, da nossa comunidade. Porém, esqueça: você não vai mudar um país e muito menos o mundo. Não em apenas uma geração.

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Muita gente sofre pois faz da vida uma aventura cinematográfica, que combina exposição exagerada ao risco com final feliz. Só que muitas vezes isso não acontece na realidade. O agravante é que filmes que recomendam prudência não rendem bilheteria. Isso vale para os investimentos.

Para cada pessoa que largou o emprego para construir uma empresa de sucesso, milhares quebraram a cara. Mas não é isso que transparece nas redes sociais.

Para cada cada aventureiro que ganha dinheiro e seguidores postando fotos de suas viagens por aí, quantos ficam no meio do caminho?

Para cada especulador que acertou a mão num ativo que disparou, quantos perderam tudo?

É complicado aceitar que não somos especiais e que para nós as coisas são mais demoradas, mas é justamente quando entendemos isso que começamos a andar para frente.

Disciplina, paciência, preparação, perseverança. É isso que deveria contar.

Mas muitos tem pressa. Para enriquecer. Para emagrecer. Para chegar lá. Para sentir adrenalina. Então, sofrem, pois o mundo tem uma cadência própria, e para entrar em sintonia com ela, precisamos de menos estímulos externos e mais quietude interna. Hollywood detesta isso.

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