sábado, 12 de junho de 2021

O boom e o deslocamento de ar

O Supermercado Pague Menos da Avenida José Paulino, em Paulínia, ainda queimava no dia seguinte ao incêndio que o arruinou.
O Supermercado Pague Menos da Avenida José Paulino, em Paulínia, ainda queimava no dia seguinte ao incêndio que o arruinou.

Já estava deitado, esperando o sono chegar, naquela hora em que você fecha os olhos e vislumbra flashes coloridos projetados no costado das pálpebras. Então, veio aquele estrondo abafado. Numa fração de segundos as folhas das venezianas da porta balcão do quarto balançaram. Imediatamente senti um deslocamento de ar em minha face, pressionando minha bochecha contra a arcada dentária.

"Será que explodiu um tanque na refinaria de petróleo?" - pensei. Há uns 25 anos isso aconteceu, de fato, iluminando o interior da nossa casa como se o sol tivesse se levantado e se posto na velocidade de um míssil. 

Minha esposa logo perguntou o que aconteceu. 

- Será que alguém bateu o carro na bomba do posto de gasolina? - respondi, enquanto a sirene do caminhão dos bombeiros ecoava lá fora.

Impaciente, ela acessou o telefone celular. Já estavam postando vídeos sobre as labaredas se apossando de um supermercado. Em poucos minutos, uma rede de cinegrafistas amadores e repórteres de ocasião se formou. Muitos chegaram antes mesmo dos jornalistas profissionais, cujas narrativas em nada acrescentaram ao fato de que ninguém sabia como o fogo começou.

Em circunstâncias assim verificamos que as pessoas são tomadas por uma curiosidade mórbida para testemunhar tragédias que não as envolvem diretamente. Nem o alívio de saber que não houve feridos atenua esse tipo de atração por ver as chamas avançarem sobre uma grande construção, enquanto alguns tentam combater o fogo.

Também é da natureza humana se comover com aqueles que foram dormir empregados e, no dia seguinte, acordaram sem ter onde bater o ponto. O dono da pastelaria, o gerente da farmácia, o rapaz da lojinha de informática: em poucas horas o ganha-pão deles virou cinzas. Pessoas terão que recomeçar suas vidas dos escombros, já que tiravam do antigo local de trabalho, outrora imponente, o seu sustento.

Então, em seguida, vem o alívio de saber que não fomos afetados e que nossa maior preocupação, neste caso, será procurar outro lugar para comprar arroz e feijão. Isso também é da natureza humana e reflete um sentimento que tangencia o egocentrismo, mas que protege as pessoas de ficarem imobilizadas diante do desespero de terceiros.

Ocorrências desse tipo vem para nos lembrar da fragilidade da condição humana. Por mais que tentemos estruturar um sistema de proteção para nossas necessidades - construindo coisas e desenvolvendo atividades econômicas - tudo pode ruir de uma hora para outra, literalmente. Nosso estado de saúde também pode ser abalado por algum acidente ou por alguma doença contagiosa. E não há muito o que fazer contra as forças do destino, exceto não se apegar tanto a um trabalho ou à própria qualidade de vida, embora agradecer por essas coisas, quando elas estão em ordem, me pareça ser uma obrigação.

No dia seguinte, fui pedalar minha velha bicicleta e passei na rua atrás do supermercado que pegou fogo. É estranho ver um prédio de grandes dimensões numa situação imprestável. Mas é questão de tempo para todos nós ficarmos imprestáveis um dia, pois o tempo é tão implacável quanto um incêndio alimentado por um estoque de bens perecíveis.

Então, enquanto esse dia não chega, vamos em frente tentando dar sentido para o caos que parece reger as entrelinhas do cotidiano.

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