segunda-feira, 20 de abril de 2020

O desencontro de Águas de Lindóia

Alfa Romeo bonito é pleonasmo.
Alfa Romeo bonito é pleonasmo.

Véspera de feriado de Tiradentes. Em condições normais, estaria planejando passar o dia em Águas de Lindóia, para ser mais um na multidão do Encontro Brasileiro de Autos Antigos.

Acordaria quase de madrugada. Passaria na casa do meu amigo Dani. Ia dirigir pela Campinas-Mogi ouvindo Creedence e conversando sobre as baladas do passado e da juventude, que não volta mais.

Antes de chegar ao destino, faríamos uma parada em Monte Alegre do Sul, para tomar um "fecha corpo" na Adega do Italiano. Está certo que só servem isso na Sexta-Feira Santa, mas a gente ia pedir uma exceção.

Em Lindóia (pois ninguém fala "Águas de Lindóia") deixaríamos a máquina no pátio da paróquia. Se é para pagar caro pelo estacionamento, pelo menos que seja um dinheiro doado para uma boa causa.

Logo estaríamos no meio de um formigueiro, vendo autos antigos e carros velhos. Peças raras e muitas tranqueiras. Ia tirar uma foto atrás da outra, dando enfoque em duas marcas: MP Lafer e Alfa Romeo. Ia babar na Giulietta conversível de 1958, sonhando com o dia de guiar uma nas estâncias de Noventa Vicentina.

Ia reclamar da fila do churrasquinho e do banheiro sujo, do governador, do presidente, do Congresso e do STF. Mas ia me acalmar na varanda do Hotel Monte Real, tomando um cappuccino perto da piscina, prometendo que voltaria ali com a família, na baixa temporada.

A fome ia bater e a gente, que já viu todos os modelos possíveis antes (aquele evento era só uma desculpa para espairecer um pouco) ia se debandar mais cedo para Amparo, se embrenhando na estradinha para a Fazenda Benedetti. O sanduíche de salame com ricota, rúcula, mel e pão cascudo deles vale por um almoço de pedreiro.

Por falar em pedreiro, a gente ia parar em Pedreira também, no Café da Santa, para conversar com o Fernando sobre o Palestra. Ia tentar convencer ele a investir em fundos imobiliários, também. Amigo que se preza tem que dar bons conselhos. Então pediria para embrulhar uns canelones para não chegar em casa de mãos abanando.

Na volta, ia desviar o caminho por Holambra e Artur Nogueira, para não pagar o pedágio na praça de Jaguariúna - sempre lotada nos fins de feriadões.

Ao chegar na garagem, minha esposa estaria esperando. Ela prontamente faria a leitura retroativa das imagens retidas nas minhas retinas, para saber se eu olhei para algum rabo de saia. Eu logo responderia que ela é a única dona que me interessa no mundo.

Essas declarações não serão mais precisas. O Covid-19 nos roubou quase tudo: as expectativas e as memórias de coisas não vividas. Mas a vontade de sair de casa continua.

Veja também:


Vivalendo.com recomenda:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O seu comentário construtivo será bem vindo. Não publicaremos ofensas pessoais ou dirigidas para qualquer entidade. EVITE ESCREVER SOMENTE COM MAIÚSCULAS. Não propague spam. Links e assuntos não relacionados ao tema da postagem serão recusados. Não use termos chulos ou linguagem pejorativa.