sábado, 13 de fevereiro de 2021

Oscar: o zagueiro que combateu minha bronquite

Oscar disputou a Copa de 82 na Espanha pela seleção brasileira.
Oscar disputou a Copa de 82 na Espanha pela seleção brasileira.

Dizem que crianças que nascem com peito de sapateiro desenvolvem bronquite ainda na tenra infância. Pelo menos comigo foi assim. A depressão no centro do meu tórax era tão grande, sobre a barriga, que estacionava carrinhos de ferro nela.

Sofri com bronquite desde que me lembro de estar vivo e, numa das crises noturnas, cheguei a pedir para morrer, enquanto minha mãe chorava do meu lado, agachada no piso frio da cozinha, pois eu não queria ficar no quarto. Ela me implorava para não repetir esse desejo movido a desespero. Você puxa o ar e ele não enche os pulmões. É a sensação de afogar no seco.

A gente ia em vários médicos. Cada um falava uma coisa e tentávamos de tudo para amenizar o problema. Eu bebia gemadas: vinho tinto fervido com gemas de ovos, leite e canela. Ia para a farmácia toda semana, para tomar injeções doloridas. Quando minha mãe dirigia a Brasília pela avenida central de Paulínia, eu já pedia para ela virar o volante e subir para a casa da vó, mas ela estacionava na frente da Drogaria Paulinense. Naquela época, no começo dos anos 80, sempre tinha vaga. E o Seu Gomes sempre tinha uma seringa esperando por mim.

Então, disseram para minha mãe que eu tinha que fazer fisioterapia. Havia uma clínica no centro de Campinas, perto da Catedral, que tratava outras crianças com bronquite. A Tia Vilma, morando com a gente, me levava para lá, de ônibus Bonavita. Depois de cada sessão, sempre muito cansativa, ela me pagava um churro.

Fazia os exercícios pensando naqueles churros. Soprava a água de um pote de vidro para o outro, interligados por mangueiras. A água tinha que ir e voltar. A fisioterapeuta (esqueci o nome dela) ensinou minha mãe a fazer "tapotagem": eu ficava deitado de bruços com a boca diante de uma bandeja e alguém me dava tapas sequenciados nas costas, em movimentos circulares, enquanto cuspia o catarro sem parar.

Postura de campeão

Um dia a clínica mudou para uma casa de esquina no Jardim Guanabara. É dessa época que me lembro do jogador de futebol Oscar, zagueiro revelado pela Ponte Preta, que atuou em três Copas do Mundo pela seleção brasileira. Depois de uma breve passagem pelo New York Cosmos ele havia sido contratado pelo São Paulo (disso também não lembrava: tive que pesquisar).

Alto, magro e cabeludo, ele vinha até a clínica com certa frequência, pois era irmão da fisioterapeuta que me tratava. Ele tinha um Ford Corcel II e eu achava aquele carro simplesmente o máximo: era igual ao Aquamóvel, um brinquedo da Estrela que via na TV e que nunca ganhei de presente. Normal. Tem muita coisa que desejei e que não tive. Porém, tinha certeza de que, quando crescesse, seria dono de um Corcel II.

Uma vez a professora me pediu para fazer exercícios numa bicicleta ergométrica, mas eu simplesmente não tinha ânimo para continuar. Então, o Oscar sentou na bicicleta do lado e começou a pedalar. Ele conversava comigo e me incentivava. Queria ser como ele. Queria ter um Corcel II. Daí pedalava mais e mais.

Em outra ocasião, ele me ofereceu uma camisa da Ponte Preta, mas meu pai disse que eu não podia aceitar, pois torcia pelo Palmeiras. Se pudesse voltar no tempo, teria aceitado aquele presente. O Oscar conversava com meus pais, também. Na verdade, ele dava atenção para todos naquela clínica. Ele e a irmã dele eram pessoas realmente especiais.

A menina que virou anjo

Esses quase quarenta anos de passagem do tempo também me fizeram esquecer do nome da menina que fazia fisioterapia comigo. Acho que era Graziela, pois ela tinha feições de Graziela: cabelos ruivos, pele alva e algumas sardinhas na face. O chiado da respiração dela era mais alto que o meu. Eu gostava dela. Achava ela bonita. Mas ela parou de fazer as sessões. Só fiquei sabendo, tempos depois, que ela faleceu durante uma crise. O negócio era sério, muito sério. 

Quando o ar faltava, minha mãe ligava um pequeno compressor de ar (laranja) e me fazia usar uma máscara para respirar melhor. Detestava aquela máscara, pois meu avô, que sofria de câncer, também a usava e havia morrido. Então, na minha ignorância, pensava que se usasse aquela máscara iria morrer também. Entretanto, lá no fundo, eu queria viver. Viver muito.

Dentre os conselhos que meus pais receberam, um era para se mudar do centro da cidade para uma região mais afastada, no campo. O outro conselho era mais um alerta: que se eu não sarasse da bronquite até a puberdade, teria esse problema para o resto da vida.

Meu pai vendeu a casa no Jardim Calegaris e fomos morar numa chácara. Seis mil metros quadrados de mato cercado de mato por todos os lados. Tinha oito anos quando a gente se mudou e a clínica em Campinas ficou fora de mão.

Então, fui fazer natação no Clube Paulinense, com a Dona Dirce. Parece que deu certo. Tive mais algumas crises, porém, acabei sarando da bronquite a ponto de começar a jogar bola. No gol, pois não conseguia correr.

Vida que segue

Nunca mais vi o Oscar. Nunca tive a oportunidade de agradecer. De todos os tratamentos que a gente tentou, o que talvez mais tenha ajudado foi a atenção que ele deu para mim. Um ídolo da seleção brasileira que fazia tabelinhas com Falcão, Sócrates e Zico, mas também pedalava junto com um garotinho de seis anos.

Cresci e nunca comprei um Corcel II. O mais próximo que cheguei disso foi ser dono de um Alfa Romeo 156. Com esse carro, virei o Circuito Paulista da Águas do avesso. Certa vez passei pela divisa de Água de Lindóia, em São Paulo, com Monte Sião, em Minas Gerais. Foi quando avistei o Oscar Inn, um Eco Resort de primeira qualidade que serviu de hospedagem e centro de treinamento para a seleção da Costa do Marfim na Copa de 2014, realizada no Brasil.

Vejo que ele é uma pessoa bem-sucedida, com todos os méritos. Um craque dentro e fora dos campos, dono de um coração generoso. E generosidade, você sabe, rende os melhores dividendos.

Atualizando

Por intermédio de Oscar Roberto Godói, que divide a paixão pelo MP Lafer comigo, esse texto chegou ao empresário Oscar Bernardi, que assim escreveu:

"Obrigado pelo carinho, Jean!

A clinica era de minhas irmãs (Nilza e Lucia: as duas fisioterapeutas) e eu também me formei na PUCC em fisioterapia.

Montei a clínica para elas e logo fui para os Estados Unidos. Elas voltaram para Monte Sião e foram bem sucedidas na área do tricô.

Também uso um remedinho para a bronquite, mas nada que atrapalhe meus treinamentos. Treino todos os dias na academia. O futebol não pratico mais.

Quando for para a região venha conhecer o hotel."

Como a memória prega peças na gente... Eu lembrava da Nilza, como irmã do Oscar, pois ela fazia tapotagens em minhas costas. Também lembrava da Lucia, mas não como irmã da Nilza (e do Oscar), embora eu chamasse ambas de "tias" (talvez daí venha a dificuldade para lembrar os nomes depois de tanto tempo). Peço desculpas por isso. De qualquer modo, quero registrar meu agradecimento também para elas. Quem sabe um dia, quando essa pandemia for embora, eu vá para Monte Sião e faça isso pessoalmente?

Veja também:

Peço licença para falar do Palmeiras



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2 comentários:

  1. Cara, você é como o ogro Shereck se autodefinia: cheio de camadas. Uma vida cheia de histórias bonitas e bem contadas. Show.

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    1. Caro Padilha, com o tempo vamos ganhando casca. 2020 foi ímpar nisso. Abraço!

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