A medalha de bronze na palma da mão. |
Estudei em escola pública até os treze anos de idade. Nossas aulas de Educação Física eram na quadra de esportes do João Aranha. Bons tempos, aqueles. Pratiquei todos os esportes disponíveis naquela época: vôlei, handebol, basquete e futebol de salão. Nossa professora era a Dona Dirce. Já naquele ano de 1989 ela era uma heroína, com os poucos recursos que o Estado lhe oferecia.
Ela dizia que meu talento era para jogar vôlei, na posição de levantador. Mas meu sonho era ser goleiro. Nosso time era muito bom: tinha o Rogério na ala direita, o Marmelo e o Vanderlei se revezavam na ala esquerda, o Nico alternava com o Donizete na zaga e o Carlinhos era o nosso craque, atacante.
A Dona Dirce nos inscreveu para disputar o campeonato municipal infantil de Paulínia, que ocorreu no mês de junho. O Rogério, por causa de apenas dois meses a mais na data de nascimento, foi vetado naquela categoria. Em seu lugar entrou o Fabinho, que acabou dando nome para o time: Santos.
No dia da estréia bateu o nervosismo: não tínhamos sequer o uniforme. Em cima da hora a loja Center Channel nos arranjou algumas camisas da Hering. O time ganhou novo nome: era o Santos Center Channel. A gente perdeu aquela primeira partida para o time mais forte da chave.
Tínhamos que ganhar as outras três partidas, para pelo menos ficar em segundo lugar no grupo e decidir a medalha de bronze, como acontecia nas Copas de antigamente. Detalhe: os jogos eram logo cedo no ginásio do centro. Íamos à pé disputar as partidas, andando mais de seis quilômetros só de ida.
Fomos vencendo cada jogo, torcendo por um tropeço do líder do certame, o que acabou não acontecendo. Felizmente tivemos a chance de decidir o terceiro lugar.
Nunca tínhamos ganho qualquer medalha, então era um sonho jogar aquela partida, contra o time fortíssimo do bairro Santa Cecília. O Santa Cecília teve a proeza de empatar com o Vídeo T, que simplesmente tinha três jogadores da Ponte Preta no elenco - um deles, o também goleiro Alexandre, jogou até na seleção brasileira de novos, anos depois.
Disseram que nós perderíamos de goleada. O jogo ainda por cima seria realizado de noite, como preliminar de uma partida entre adultos. Pela primeira vez fomos de condução para o ginásio. Todos apertados no Passat Pointer chumbo metálico do meu pai. Seria a primeira vez que ele me veria jogar. Eu não podia fazer feio, de jeito nenhum.
Meu pai sentou na arquibancada ao lado do Seu Pitota, um senhor alto, esbelto e elegante feito um doutor de Sorbonne. Ele era marido da Dona Joyce, a fineza em pessoa. Quem é antigo na cidade de Paulínia sabe de quem estou falando.
A partida começou com um bom público chegando no ginásio. Meu coração estava disparado. Tinha um grandalhão no time adversário. Ele não tinha jogo de cintura, mas soltava dignas bolas de canhão com seu pé esquerdo. A primeira veio na direção do Nico, que tentou um golpe de capoeira, mas apenas desviou a bola para me encobrir. 1 a 0. A porteira estava aberta.
Só que a gente tinha o Carlinhos. Ele sofreu falta logo depois do meio da quadra. O goleiro deles armou a barreira com dois jogadores. O Carlinhos bateu rasteiro. A bola fez a única trajetória possível entre a barreira e o canto da trave. Golaço. Jogo empatado. E assim foi até o fim do segundo tempo.
Jogamos na retranca, atacando só de boa, na certeza. Atuei muito confiante debaixo da trave. Olhava só para a quadra. As arquibancadas do ginásio eram dois borrões na minha visão periférica. Fiz defesas seguras. Até as bolas que iam para a linha de fundo eram agarradas sem distinção.
No começo da prorrogação, nova falta. Mais perto do gol, porém na mesma faixa lateral esquerda da quadra. Nova barreira formada. E o Carlinhos repetiu a cobrança. Parecia repeteco do primeiro gol. Que emoção. Daria a capota do meu MP Lafer para ver aquele jogo de novo. Golaço ao quadrado!
Após a virada, o time do Santa Cecília partiu para o ataque com tudo. A bola sobrou na intermediária para aquele grandalhão, que esqueci o nome. O petardo veio feito um foguete, mas para mim parecia câmera lenta. A bola ia entrar no meu ângulo esquerdo. Voei na direção dela com os braços estendidos ao máximo.
Inacreditavelmente espalmei a pelota na forquilha da trave. Ela foi para escanteio. Caí no chão feito uma tora de madeira serrada. Me levantei com a torcida batendo palmas. Meu time gritou em coro: "Valeu, Jean!"
O juiz apitou o final do jogo e todos foram correndo me abraçar. O frangueiro e estabanado aqui, que saltava nas bolas feito um sapo, teve seu dia de Aranha Negra, o grande arqueiro da União Soviética. Aquela medalha de bronze pesou em nosso peito e nos atrevemos a dar uma volta olímpica.
No dia seguinte a Dona Dirce nos colocou num ônibus coletivo da AVPP e nos pagou uma rodada de sorvete na padaria Disneylandia, com o suado dinheirinho dela, que chegava nas aulas dirigindo um Corcel II. Por onde andará a Dona Dirce?
A cultura ocidental reza que só o primeiro lugar importa. Que o vice-campeão é o primeiro dos perdedores. Que o terceiro lugar não vale nada. Nada? Nada mais inapropriado do que ensinar os mais jovens a acreditarem nisso.
Fez bem em publicar aqui. Lá no Facebook não haveria como ler (a não ser no dia da publicação ou quando o Zuckerberg julgasse adequado)
ResponderExcluirEstou resgatando os melhores textos publicados no Facebook justamente pelo motivo que você apontou.
Excluirkkkkkkkkk, Muito bom! Teu relato me reportou aos tempos de escola quando era promovido os jogos escolares... Mesmo presenciando não tinha noção de quão importante era para a garotada aqueles momentos, como relata tuas entusiasmadas palavras! Adorei! Parabéns!!!
ResponderExcluirQuando estava na sétima série, fui campeão escolar de futebol de salão, mas esta é outra história. E sim, estes jogos são mais importantes para os adolescentes do que nós adultos podemos considerar. Grato!
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