sábado, 31 de outubro de 2020

Sean Connery se vai junto com uma parte do século 20

Reprodução de capa do DVD com o filme "007 contra Goldfinger" de 1964.
Reprodução de capa do DVD com o filme "007 contra Goldfinger" de 1964.

Lá pelo começo dos anos de 1990 eu era um adolescente parecido com uma garça. Minha voz ecoava feito uma taquara rachada ao vento. Tinha mais espinhas na testa do que números decorados na tabuada. Mas havia meu irmão. Ele sempre me colocava para cima.

Uma dia fui com ele na vídeo-locadora. Se você tem menos de 25 anos, terá dificuldades para saber como poderia ser angustiante escolher um entre centenas de filmes dispostos naquelas prateleiras, em fitas cassetes. Quem não chegasse logo cedo, perderia a vez para alugar os lançamentos mais recentes. Talvez, em função disso, escolhemos "007 contra Goldfinger", com Sean Connery. Era um filme de 1964 e, portanto, já antigo para a época.

Foi uma ótima escolha. Aquele James Bond decidido, que falava as frases certas nas horas certas, transbordando confiança para ficar com as mais lindas garotas, que bebia Vodca com Martini, fumava com classe e dirigia um Aston Martin DB5 pelas estradas alpinas da Suíça, era simplesmente alguém que queríamos ser.

Logo, passamos a assistir todos os filmes de Sean Connery disponíveis naquela locadora. Ele também foi pai do Indiana Jones, um policial honesto em "Os Intocáveis" e um frade detetive em "O Nome da Rosa". Era um excelente ator.

Por anos me perguntei qual a razão que o motivou a abandonar a série de 007, iniciada com ele em 1962. Ele teria idade para ficar no papel pelo menos até a década de 1980, mas no limiar dos anos 70 resolveu seguir outros rumos.

Ele estava certo: insistir com um personagem datado não seria bom para sua carreira e todos nós, entusiastas de James Bond, tivemos que desaprender certas coisas que o agente secreto sempre representou. Era isso ou padecer perante o politicamente correto.

Sean Connery teve a sorte de nascer em 1930. Ele viveu intensamente a sua época e teria sido cancelado recorrentemente, caso tivesse sido congelado em 1967 e reavivado meio século depois. Quem, no cinema de hoje, poderia dar um tapa nas nádegas de um bela dona e sair impune?

Certa vez tive a nítida impressão de ter visto Sean Connery no centro de Montevideo. Ele - ou quem julguei que fosse ele - já estava idoso, mas ainda conservava o porte atlético, o andar de pantera e o olhar penetrante de uma águia. Confesso que tentei copiar seu estilo, como forma de vencer a timidez nas noites de sábado, até perceber que tinha que ser eu mesmo, ainda no meu tempo de solteiro.

O escocês Sir Sean Connery escolheu as Bahamas para viver seus últimos anos e morreu dormindo, aos 90 anos de idade, sem ver o fim desta pandemia que está ajudando a definir os rumos do século 21. Faz sentido. Não se pode cobrar que um dinossauro do século 20 viva para sempre.

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