quarta-feira, 26 de junho de 2019

"Love and Mercy" & uma mercearia

Estava na sala de estar, jogando dominó com minha filha e ouvindo um disco do Brian Wilson gravado no fim dos anos de 1980, quando ele estava afastado dos Beach Boys. O Brian Wilson é um dos gênios musicais mais subestimados da cultura norte-americana. Como ele nunca embarcou no oba-oba da modernidade (afinal de contas, ele acha que não foi feito para estes tempos) o seu devido reconhecimento será tardio. De certo modo, eu me identifico com ele.

A música que abre seu disco solo se chama "Love And Mercy". É linda e até virou nome de filme sobre a vida de Brian (que não é aquele do Monty Python). A gente ouve essa canção uma vez e ela cola na nossa cabeça. "Love And Mercy" significa "Amor e Misericórdia" em português.

Nunca prestei muita atenção em sua letra. Sempre me liguei mais na melodia e foi isso que me inspirou para postar a seguinte imagem e comentário no Instagram:

Fotografia da mercearia publicada no Instagram por Jean Tosetto.

"A fachada desta mercearia não tem logomarca. Não tem telefone. Não tem site ou fanpage. Igualmente não existe um plano de negócios nela. Mas tem uma mesa de bilhar, um balcão com refrigerador, garrafas de tubaína e sanduíches de mortadela servidos em pães franceses. O mais importante: as portas abertas para receber os poucos habitantes da localidade ignorada pelo Waze. Onde muitas pessoas observam apenas uma velha construção, eu imagino uma crônica inteira. Fico pensando no que se passa na cabeça de quem senta no cimento áspero daqueles degraus para ver a tarde de sábado se esvanecer. Ao fitar o rapaz com taco de sinuca em mãos, engato a primeira marcha e vou embora. De certo modo, fui percebido como invasor naquele mundo que gira mais devagar. Um mundo tão perto e tão longe da gente."

Foi uma postagem despretensiosa, como tantas outras que faço sem ouvir os conselhos de especialistas em SEO, marketing digital e toda essa parafernália para atrair seguidores artificialmente. No entanto, para minha surpresa, a mensagem tocou pessoas que sequer conheço pessoalmente e que me deixaram feliz por suas respostas.

Ainda no Instagram o Will Glauber escreveu:

"@walef_m continua acompanhando? Eu sim"

Ao que o Walef respondeu:

"@glauberwill sempre hahaha. O Instagram é como o mundo. Muitos posts são como as grandes metrópoles, cheios de informação junto com aquela euforia e correria. Os seus textos, @jeantosetto, são como viagens ao campo, onde paramos e nos aconchegamos para ler. São palavras que, com o auxílio das imagens, transmitem paz e calmaria, independente do tema. Eu e meu primo @glauberwill gostamos muito de seus textos. Aqui vai o nosso muito obrigado pelas publicações. Grande abraço!"

Como minhas publicações no Instagram vão automaticamente para o meu Facebook, de lá também tive a satisfação de ler a seguinte mensagem do Odersio Martinhão Filho:

"Caro Jean, boa noite. Gostei muito da foto e do que escreveu. Me lembrei do armazém do meu pai em Indaiatuba. Está com ele desde que tinha 18 anos. Hoje, com 86, tem ido pouco e nos últimos meses se ausentou para tratar da saúde. É uma das poucas referências de como se realizava o comércio quando ainda existia os "secos e olhados" nos armazéns. Me desculpe. Não tive a intenção de ser invasivo. Apenas compartilhando uma boa história a partir do seu post."

Ele também encaminhou as seguintes imagens que reproduzo aqui:

Recorte de jornal antigo sobre o mercadinho do José Martinhon em Indaituba.
Recorte de jornal antigo sobre o mercadinho do José Martinhon em Indaituba.

O recorte de jornal mais recente atesta: o Seu Martinhon é um herói da resistência.
O recorte de jornal mais recente atesta: o Seu Martinhon é um herói da resistência.

A mercearia da família do Martinho na Rua Padre Bento Pacheco em Indaiatuba.
A mercearia da família do Martinho na Rua Padre Bento Pacheco em Indaiatuba.

Feliz com a boa acolhida da minha proposição, não sei explicar exatamente como as coisas se conectam. Então fui prestar atenção na letra de "Love & Mercy" e tenho que subscrevê-la: nós precisamos de amor e misericórdia nesta noite, contra a violência e a solidão lá fora.

Ir a uma mercearia ou armazém tradicional (antigo) não deixa de ser um ato de resistência. É bom comprar alimento de alguém que a gente conhece. Este sentimento comunitário fortalece nossa crença na humanidade.

Acho que é isso. Mas não tenho certeza.


P.S.: a fotografia inicial foi tirada no Distrito de Três Pontes em Amparo, no Circuito Paulista das Águas que tanto visito para recarregar as baterias.

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