sábado, 13 de outubro de 2018

Nossa Tita se foi...

Tita, a nossa calopsita, eternizada nos traços de uma menina de cinco anos.
Tita, a nossa calopsita, eternizada nos traços de uma menina de cinco anos.

Já contei sobre a Tita, a nossa calopsita? No primeiro texto que dediquei para ela, já antecipava um dia triste que certamente chegaria:

"Será muito difícil se um dia ela nos deixar. Ela toma conta de nossa casa sempre que saímos juntos. A Tita faz parte da nossa família."

Infelizmente este dia chegou com um agravante: a Tita não morreu por causa da idade, mas foi vítima de um gato.

Contando assim parece algo trivial, mas não imaginava que ficaria com um nó apertado na garganta para relatar isso. Foi um descuido nosso. Há dois dias deixamos a gaiola dela na garagem por um breve momento, para um banho de sol, pois o local é aberto para o nosso quintal. Um gato, que apareceu recentemente na vizinhança e passou a rondar nossas portas e janelas, se aproximou e - isso é tudo que deduzimos - lhe atacou pelas grades.

Bastou uma patada. O gato arranhou a Tita por baixo de sua asa direita, lhe arrancando algumas penas e provocando um sangramento que logo estancou. Assim que percebemos o ocorrido, levamos a gaiola de volta para dentro de casa.

Aparentemente tinha sido apenas um susto. Mas no dia seguinte ela parou de cantar. E hoje cedo estava no piso da gaiola, tentando respirar estufando o peito rapidamente. Concluí que ela estava sofrendo uma embolia pulmonar e pressenti que seria seu último dia.

Chamamos o veterinário, mas só deu tempo dele acompanhar seu último suspiro. Eu a enterrei ao lado de uma roseira que transplantei para o nosso jardim. Coloquei seixos brancos sobre sua cova, para demonstrar algum respeito.

A Tita gostava das bandas que eu gosto: Beatles, Oasis, Kinks. Eu assobiava "Waterloo Sunset" para ela, que vinha no canto da gaiola e me acariciava na bochecha. Encostava seu bico em meu nariz também. Assobiávamos juntos. Eu repetia suas frases e depois ela tentava me copiar também. E não fazia isso com mais ninguém.

Certa vez coloquei "Across The Universe" para tocar e ela assobiou de alegria.

Isso nunca mais vai acontecer.

"É só uma calopsita" - você pode pensar. Mas quem já colou cartaz de procura por um animal de estimação perdido sabe do que estou tratando. A gente não se importa muito com a dor dos outros, até que acontece conosco.

A gente deixava a porta da lavandeira aberta quando almoçava e jantava. Ela nos espiava pela diagonal do campo de visão para a sala de jantar e ia comer sua ração também. Ela adorava alface. Quando o potinho do alface estava vazio, ela assobiava com a cabeça dentro dele.

Ironicamente, na última semana de vida dela, eu estava conversando com minha esposa sobre os etruscos, o primeiro povo que ocupou a região onde hoje é Roma. Nossos antepassados construíam verdadeiras casas no lugar das sepulturas sob o solo. Pinturas nas paredes encontradas atestavam que animais de estimação também eram retratados. Para os etruscos, os pets também teriam uma vida após a morte, quem sabe num Paraíso.

Então me levantei da mesa, fui até a Tita e disse para ela:

- Espero que o Papai do Céu leve você para o Paraíso um dia. Lá você não será mais caolha e não ficará presa numa gaiola. Poderá voar pelos campos de flores e quem sabe voltar para perto de nós.

Vendo tudo em perspectiva sei que nós, seres humanos, somos minúsculos diante da grandeza de tudo que está abaixo do Firmamento. Mas se a gente se importa tanto com uma simples calopsita, talvez nós também sejamos especiais para alguém que nos observa sobre uma grande redoma invisível.

Se este alguém estiver lendo isso, ou ouvindo nossos pensamentos, peço que cuide de nossa Tita.

Veja também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O seu comentário construtivo será bem vindo. Não publicaremos ofensas pessoais ou dirigidas para qualquer entidade. EVITE ESCREVER SOMENTE COM MAIÚSCULAS. Não propague spam. Links e assuntos não relacionados ao tema da postagem serão recusados. Não use termos chulos ou linguagem pejorativa.