"The Fire of Rome, 18 July 64 AD" - pintura sem data conhecida de Hubert Robert (1733-1808) exposta no Musee des Beaux-Arts Andre Malraux, em Le Havre, na França. |
Em 18 de julho de 64 depois de Cristo, um grande incêndio tomou conta de Roma, então capital do império romano, afetando dois terços da grande cidade. A versão que prevaleceu na história é que o imperador Nero ordenou o início do fogo com vistas a promover uma ampliação de seu complexo palaciano, ao comprar terrenos arruinados por preços descontados depois que o grande incêndio foi controlado, durante o qual ele teria tocado lira.
Para evitar que a culpa caísse sobre seus ombros, Nero teria encorajado a tese de que o fogo teria sido provocado pelos cristãos, ao desejarem produzir um evento apocalíptico na urbe corrompida. Com ou sem culpa, Nero ficou marcado como um imperador louco e desvirtuado, sendo verossímil a possibilidade do incêndio de Roma ter se iniciado tão somente em função das precárias edificações da cidade, com suas estruturas de madeira que se erguiam por quatro ou cinco andares em ruelas estreitas.
Roma entrou em decadência neste período e levou séculos para voltar a ter algum esplendor: ainda é a Cidade Eterna, mas não comanda mais os desígnios do Ocidente.
Avancemos para 642, ano em que Anir ibne Alas conquista o Egito e torna-se seu governador provincial. Em nome do califa ortodoxo Omar, ele determina a destruição da Biblioteca de Alexandria por meio de um incêndio, queimando para sempre documentos de incalculável valor histórico e científico.
Logicamente esta é a versão mais popular do trágico evento, mas existem contestações que envolvem datas pregressas e outros personagens, atribuindo o declínio de Alexandria aos romanos, aos cristãos e aos muçulmanos. A intolerância política e religiosa parece andar de mãos dadas com a decadência.
A decadência que acertou Alexandria em cheio provocou danos irremediáveis. Hoje, a cidade é apenas uma sombra do que já representou um dia.
Chegamos em 2018. O mês de setembro trouxe uma notícia pavorosa: o incêndio do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. A grandiosa edificação, com dois séculos de existência, já foi morada de rei e imperadores, sendo berço da República do Brasil. Seu acervo quase totalmente destruído contava com mais de 20 milhões de itens, que iam de pedras preciosas até múmias.
Um dia vão contar a história do Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa que já foi capital de um país de dimensões continentais começou a ruir quando Brasília foi inaugurada. Os historiadores citarão eventos trágicos que delimitarão a decadência da cidade e o incêndio do Museu Nacional certamente será citado.
As versões serão controversas. Para uns, a culpa terá sido dos políticos liberais de Brasília, que cortaram o fluxo de capital para a manutenção do Museu Nacional. Para outros a culpa será dos esquerdistas no comando da UFRJ - instituição responsável pelo Museu que recebia os repasses do governo federal e teria priorizado outras ações.
A ruína do Museu Nacional não poderá ser atribuída a um imperador louco ou a um tirano. Tão pouco poderão culpar os extremistas religiosos. A ruína do Museu Nacional já pode ser atribuída ao descaso e à indiferença. Pior do que enfrentar o ódio de terroristas é combater o descaso e a indiferença das pessoas comuns.
Se o amor e ódio são valores antagônicos, o descaso e a indiferença representa a ausência de valores. Sob este ponto de vista, o Museu Nacional já estava condenado há muitos anos.
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Belíssimo. Mesmo em momentos de tristeza Jean Tosetto consegue produzir textos brilhantes.
ResponderExcluirCaro Padilha, há dois milênios as pessoas culpam terceiros por tragédias que recaem sobre os ombros de todos. Abraço!
Excluir"A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comedia quando vista de longe.", Charlie Chaplin.
ResponderExcluirPatrimônio histórico e cultural destruído pelo descaso, incompetência e até mesmo décadas e décadas de "pequenas" corrupções. Não tem como ser "readquirido", mas será fácil gerar verbas para a reconstrução do prédio do Museu Nacional, que passará a colecionar obras artísticas e peças da história contemporânea do Brasil. Por exemplo, as obras do acervo do Queer Museu; mechas de cabelos do parlamentar Tiririca; par de chuteiras que causava quedas do Neymar; coleção de livros de cabeceira do Lula; máquina estocadora de vento da Dilma; manuscritos da peça teatral de autoria de Lewandowski e Calheiros, "A Única Vítima do Impeachment, Dilma"; coleções completas das obras de Pablo Vittar e Jojo Todynho e, não poderia faltar o vídeo do Loures correndo com a mala de dinheiro "JBS", que pôs um fim nas pretensões políticas e patrimoniais de Temer e Aécio.
Concluindo, "A humanidade não se divide em heróis e tiranos. As suas paixões, boas e más, foram-lhe dadas pela sociedade, não pela natureza.", Charlie Chaplin.
AHT
04/09/2018
O Museu Nacional virou a Ruína Nacional. Talvez fique assim para sempre.
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