segunda-feira, 9 de julho de 2018

Somos todos tailandeses presos numa caverna

Ilustração do acervo do Museu Britânico feita em 1604 por Jan Sanredam e Cornelis van Haarlem, sobre a alegoria da caverna proposta por Platão.
Ilustração do acervo do Museu Britânico feita em 1604 por Jan Sanredam e Cornelis van Haarlem, sobre a alegoria da caverna proposta por Platão.

Em junho de 2018 um grupo de doze adolescentes e um treinador foram explorar uma caverna no norte da Tailândia, após um treino de futebol. Eles foram dados como desaparecidos por uma mãe, após esperar em vão a chegada do filho em casa.

As autoridades começaram as buscas, encontrando chuteiras e bicicletas perto da entrada da caverna, que havia sido parcialmente alagada em função de fortes chuvas.

A equipe de busca conclui que o grupo foi se embrenhando pela longa caverna, empurrado pelo aumento do nível de água. Uma vigília se forma no entorno, com familiares aguardando por novas informações.

Mergulhadores entram em ação, vasculhando a caverna com cilindros de oxigênio e reserva de alimentos. Santuários são improvisados na entrada da caverna para que as pessoas orem. Autoridades locais pedem ajuda ao governo do país.

Militares norte-americanos se juntam aos tailandeses e voluntários britânicos nas buscas em condições cada vez piores, devido ao crescente nível das inundações. Bombas de água são instaladas para tentar drenar a caverna.

Equipes tentam encontrar acessos alternativos na cadeia montanhosa sobre a caverna. Perfurações são feitas. Neste momento o evento já é uma comoção mundial.

Somente após nove dias os meninos e seu treinador são encontrados num bolsão de ar, desidratados e passando fome. O alívio momentâneo é comemorado e a prioridade é levar mantimentos ao grupo.

Um mergulhador tailandês que estava levando alimentos ao grupo morre no percurso de volta, por falta de oxigênio. Um duto de ar é instalado para suprir oxigênio no bolsão isolado e autoridades consideram que os garotos teriam que aprender a usar equipamentos de mergulho para serem resgatados.

No momento em que escrevo estas linhas, parte do grupo já foi resgatado e conduzido para uma quarentena em hospital. Independente do desfecho desta história, temos um drama de proporções globais.

O mito da caverna

O que mais me chamou a atenção neste episódio foi que os meninos, para serem resgatados da caverna, teriam que necessariamente aprender algo - o que me leva ao filósofo Platão, que em sua obra conhecida como "A República" propõe "A Alegoria da Caverna".

Para Platão, estamos todos presos em correntes dentro de uma caverna, desde o nascimento. Nosso campo de visão é restrito à parede do fundo desta caverna, iluminada pelas luzes geradas por uma fogueira, que projeta as sombras de esculturas que simulam pessoas, animais e objetos do cotidiano. Nós, como prisioneiros, passamos o tempo dando nomes para tais imagens, tentando compreendê-las.

Platão relata a possibilidade de um prisioneiro escapar das correntes para investigar outras partes da caverna e mesmo seu exterior. Neste caso a plena realidade seria revelada, sem as distorções das sombras projetadas pela fogueira. O encantamento seria deslumbrante e o ex-prisioneiro seria tentado a voltar para compartilhar suas descobertas com os demais.

No entanto, este indivíduo seria ignorado e exposto ao ridículo, uma vez que as demais pessoas só conseguem ver as coisas sem desconfiar que elas são manipuladas. O ex-prisioneiro é compelido a interromper seu discurso, sob o risco de ser morto.

Com esta alegoria, que apenas pincelamos aqui, Platão queria dizer que temos uma visão sobre a realidade que é distorcida. Para conhecermos o mundo, de fato, temos que nos libertar das influências culturais e sociais representadas pelas sombras projetadas no fundo da caverna. Para sair dela, temos que aprender algo, como respirar por equipamentos de mergulho.

Não se iluda

Vemos os tailandeses presos no fundo de uma extensa caverna e nos comovemos. O mundo exterior está voltado para eles. Porém, de certo modo, estamos todos presos naquele bolsão de ar. A diferença é que o presidente da FIFA não está nos oferecendo ingressos para a final da Copa da Rússia e Elon Musk não está disposto a ceder seus engenheiros para construir mini-submarinos para nos tirar dos túneis rochosos inundados.

Temos que nos libertar do fundo da caverna por nossa conta, através do conhecimento, apagando as fogueiras das vaidades.

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