sexta-feira, 25 de agosto de 2017

De volta para casa

A volta para casa poderia ser de avião?

Depois que me formei em Arquitetura, sempre trabalhei como profissional liberal com escritório próprio. O primeiro ficava numa chácara, a poucos metros de casa. Depois que me casei, mudei de casa e de escritório: todos na mesma edificação.

Nunca tive a rotina de me arrumar bem cedo, colocar o chapéu na cabeça, beijar a esposa e sair para trabalhar, como nos seriados familiares da TV. Ao longo dos anos devo ter economizado alguns caminhões de combustível com isso.

Minha filha nasceu, começou a frequentar a creche, mas nunca sentiu falta do papai, trabalhando logo ali, pertinho da sala onde ela esparrama suas bonecas. Então, comecei a prestar serviços para uma empresa da capital do estado, remotamente.

As vezes sou chamado para reuniões presenciais. Nestes dias tenho que madrugar, pegar um ônibus e depois completar o trajeto de metrô. Volto para casa tarde da noite. Tempo suficiente para minha menina notar a minha ausência.

Eu a deixei mal acostumada. Quando vou para São Paulo, volto com uma lembrancinha para ela. Um livro para colorir, um bichinho de pelúcia. No aparelho celular vejo o alerta de mensagem nova em áudio:

- Pai, tô com saudade. Se você lembrar, traz um brinquedo pra mim?

Corro para comprar a passagem de volta e chego atrasado por questão de minutos. O próximo ônibus parte dentro de uma hora. Tempo suficiente para tomar um café, ler o jornal e procurar um presentinho para a garotinha.

Escolho um aviãozinho que também é apontador de lápis. É o desejo de voar para casa. O tempo não passa. Quem passa são as pessoas de um lado para o outro. Sem parar, feito formigas a ignorar o canto das cigarras.

Finalmente chego em minha cidade. A garoa cai sobre meus ombros enquanto caminho para o portão de casa. O trinco enferrujado acorda a minha filha, que sai correndo para abrir a porta. Ela pula no meu colo e me dá um abraço apertado.

Como é bom voltar para casa.

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2 comentários:

  1. "Como é bom voltar para casa." Apenas mais um dia rotineiro contado de forma poética onde cada palavra transmite a grandeza de um coração generoso e nobre! Uma delícia de leitura! Parabéns!!!

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    1. Prezada Lucia, você pode levar um dia para voltar para casa, ou uma epopeia. Este é um motivo recorrente na mitologia: a jornada do herói. No Brasil temos milhares de heróis anônimos. Heróis para seus filhos. As vezes me sinto como um deles. Obrigado!

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