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Garoto bebe água com as palmas das mãos numa praça de Atenas, no tempo da Grécia Antiga. |
Como diz o sábio, para tudo tem tempo na vida. Existe o tempo de plantar, existe o tempo de colher. E diria que existe o tempo para acumular, mas existe tempo também para doar, descartar, reciclar. E foi isso que fiz recentemente aqui em casa. Quero compartilhar essa experiência.
Devo mencionar, também, que fui influenciado por Diógenes, o filósofo que viveu num barril, em praça pública, na Grécia Antiga, em Atenas. Certa vez, ele viu um garoto beber água usando as palmas das mãos e, então, decidiu descartar sua caneca. Passou a beber água com as palmas das mãos. Ele foi radical nessa questão de viver com poucas coisas. Para muita gente, ele é o verdadeiro pai do minimalismo.
Então, o tema dessas linhas versa sobre o minimalismo: viver com menos e viver bem — viver melhor — com menos coisas na cabeça, com menos preocupações, com menos coisas paradas em casa.
Moramos no mesmo lugar há mais de 15 anos. É uma casa de tamanho médio, 170 m² aproximadamente. Não é uma muito grande, mas também não é pequena. Assim, com o passar dos anos, a gente vai se acostumando com as pequenas coisas que estragam ou ficam fora de lugar, e que deveríamos arrumar na hora — mas deixamos para depois. E, quando o tempo passa, você acorda, dá um estalo e percebe que precisa reorganizar bastante coisa dentro da sua casa, cuidar dela, fazer uma manutenção.
Resolvi tirar um momento de cada dia, nos últimos dias, para abrir todas as gavetas de todos os armários, de todos os cômodos da minha casa. Não imaginei, mas fui juntando coisas para jogar fora ou doar, que nem lembrava mais que tinha. E justamente isso estava drenando a minha energia mental, porque eram coisas paradas.
Já tinha ouvido pessoas falarem isso em vídeos ou documentários. Pensava que era força de expressão, mas senti isso na pele. Nesse processo de arrumação, encontrei coisas quebradas, que estava guardando porque, em algum momento, ia consertá-las. Mas cheguei à conclusão de que elas nunca serão consertadas. Até porque o preço do conserto, muitas vezes, não compensa — é melhor comprar uma coisa nova. E, para muitas dessas coisas, nem tem mais profissional que faça o conserto. Por exemplo: consertar um sapato velho de couro. Mas eis a pergunta: você conhece um sapateiro? Antigamente, eles eram comuns nas cidades. Hoje, é difícil encontrar um. Então, é melhor descartar o sapato — e nem precisa comprar outro, provavelmente.
Também estava guardando peça de automóvel. Deixava a peça quebrada guardada… Coisa mais inútil que poderia fazer! Quem ia consertar essa peça no futuro? Isso não existe mais.
Descartei também comprovantes de contas pagas há mais de cinco anos. Sou metódico para guardar esses comprovantes, mas depois de um tempo eles não servem para nada. Só ocupam espaço. Consegui jogar muito papel fora. Aquilo que me deixou em dúvida, reservei numa caixa — a caixa da "segunda repescagem", para fazer uma nova faxina em breve.
Não foi tudo que joguei fora, mas descartei bastante coisa e separei muitas outras para doar: roupas e calçados que ainda estavam em bom estado, mas que não queria mais usar. Aquela camisa que usei numa viagem, por exemplo... Mas que não serviria mais para trabalhar ou para ir em outra viagem. Então, é melhor dar para alguém que precisa do que deixar ocupando espaço no armário. Fiz bastante espaço no armário, no guarda-roupa.
No caso dos remédios, pedi ajuda para minha esposa. Ela verificou a validade de todos os medicamentos e, impressionantemente, dois terços deles estavam vencidos. Fizemos o descarte correto desses medicamentos. Eles ocupavam duas gavetas e passaram a ocupar metade de uma, praticamente. Assim, fomos abrindo espaço dentro de casa.
Muitas vezes as pessoas querem ampliar a própria casa, mas, de repente, esse espaço já existe dentro dela.
Os mais jovens talvez não entendam o que mencionarei a seguir, mas comecei a verificar meus discos de vinil e CDs. Hoje em dia, as pessoas escutam música pelo rádio ou streaming, que ocupam muito menos espaço. Mas nós temos uma afinidade com esses discos — um apego ao passado. Não tive coragem de descartar meus discos de vinil, nem os CDs, nem os DVDs de filmes clássicos que tenho guardados. Eles ocupam espaço, mas reorganizei por tema, por época. E o simples fato de reorganizar já fez ocupar menos espaço.
Outra coisa que não é mais comum, mas que os mais antigos ainda têm bastante, são as fotografias impressas. Juntei vários álbuns. Alguns estavam com fotos faltando. Procurei as fotos avulsas, encaixei nos álbuns de plástico novamente. Economizei bastante espaço com isso. Fotografias impressas de 20, 30 anos — você certamente não vai jogar fora. Existe um sentimento nelas. Elas trazem pessoas que nem estão mais aqui. É um item difícil de descartar.
Existem também coisas que ocupam muito espaço em casa — e que descartei em grande parte — que são as embalagens de produtos. Muitas vezes você guarda a embalagem, usa o produto em outro lugar, e não o coloca de volta nela. Então, a embalagem ocupa um espaço, e o produto ocupa outro. Boa parte dessas embalagens foram descartadas. Alguns equipamentos, guardei novamente nas caixas e reorganizei na despensa. Tudo isso foi abrindo espaço.
Minha casa não parecia bagunçada. Um visitante não perceberia. Mas, abrindo as portas dos armários, abrindo as gaveta: tudo estava muito bagunçado. E, mais uma vez, a gente vai se acostumando devagar com essa bagunça — e isso também vai bagunçando a nossa mente. A gente começa a perder coisas.
Encontrei um grifo e um alicate que achei que tinha perdido. Pior: achei que um servente, que fez um serviço aqui em casa, tinha levado. Mas estavam guardados num lugar que não tinha nada a ver com a caixa de ferramentas. Trouxe de volta. Ela estava cheia de fio desencapado, fio antigo, conectores que não eram para estar ali. Então, separei essa fiação. Uma parte deixei para usar no futuro (embora talvez nunca use). Outra parte, descartei depois de alguns dias fazendo esse trabalho.
Porque é um trabalho que não te dá dinheiro — mas te dá organização. E você começa a se sentir melhor. Não dá para fazer isso o dia inteiro, porque consome a sua mente. Mas, fazendo um pouquinho por dia, você vai percebendo as melhoras aos poucos. Começa a abrir um armário e ele está mais bonito, porque está organizado. E a organização também faz parte da beleza — e isso influencia a nossa cabeça.
Posso testemunhar isso depois dessa primeira grande rodada de arrumação. Porque haverá uma segunda. Posso dizer que a casa ficou mais confortável. Parece que os fluídos da casa estão correndo numa velocidade maior. Existe mais espaço para, quem sabe, colocar novas coisas. E, a partir de agora, a gente vai ser muito mais criterioso para trazer algo novo para dentro de casa. Porque a gente não precisa da maior parte delas.
E, olhando cômodo por cômodo, você começa a perceber pequenas coisas que precisa consertar: o trinco de uma janela, uma manchinha de umidade na parede do banheiro… Comecei a raspar aquela tinta ondulada no ponto onde surgiu a umidade. Porque, depois de 15 anos, é praticamente impossível que não surjam pontos assim numa casa. Isso precisa de conserto.
Você vai mapeando tudo que precisa arrumar para deixar a casa em ordem novamente. Aquela saboneteira quebrada que você não usava mais no banheiro, passando a deixar o sabonete na "shampoozeira" (nem sei se essa palavra existe para o suporte de shampoo). Mas o sabonete deve ser posto em lugar próprio.
Então, fui à loja de materiais de construção, comprei uma saboneteira nova. Era tão bonita, de aço inox, que percebi a diferença em relação aos equipamentos antigos do banheiro. Resolvi trocar tudo — não só no banheiro da suíte, mas também nos outros banheiros, no lavabo, no social. Mais ou menos fui levantando o astral da casa.
Acabei envolvendo minha esposa e minha filha nesse processo. Comecei a dar responsabilidades para elas também, para manter a casa organizada. Minha filha vai ter que tomar conta do quarto dela direitinho. O mesmo vale para a nossa suíte: a separação das roupas no armário, a organização da sapateira… Tudo isso parece pequeno, mas tem um efeito muito positivo.
Recomendo enfaticamente que você faça isso na sua casa, no seu apartamento. Você se sentirá melhor. Já não sou jovem. Sou um sujeito de meia-idade — tenho quase 50 anos. Já tive minha fase de acumular coisas. Queria comprar os livros que gostaria de ler, os discos dos Beatles… Consegui alguns. Mas percebi que passei do ponto do equilíbrio. Passei a ter excesso de coisas. Muitas delas imprestáveis — que não serviam mais para mim, mas poderiam servir para outras pessoas.
Então, juntamos umas três barricas para doação. Levamos a um lugar que recebe essas doações — um bazar que faz triagem e vende por preços acessíveis para quem realmente precisa. E acabamos ajudando essa entidade. Você também pode ajudar uma entidade na sua cidade, na sua região. Isso te fará bem.
Muita coisa, simplesmente, jogamos fora, porque não teria como doar ou recuperar. A gente não precisa chegar ao ponto radical de Diógenes, que dispensou a própria caneca para beber água com as mãos. Mas, ao fazer essa arrumação geral na casa, percebemos que precisamos moderar nossas manias de consumo.
Muita coisa que compramos é por influência da publicidade, das redes sociais, da vontade de se comparar com os outros. A gente acredita que a felicidade pode vir das coisas que compramos — mas, na verdade, não é isso. A felicidade é algo que mora dentro da gente. Não vem de fora.
E o lado bom de fazer uma grande arrumação na própria casa é que a gente volta a gostar mais dela. Isso é importante, porque passamos boa parte da nossa vida dentro do próprio lar.
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