"O que falar das pedras filetadas que adornam as empenas nas extremidades desse espaço de transição do exterior para o interior da casa?" |
A Tia Marta fez 80 anos e sua festa de aniversário reuniu quase toda a família em Caçapava, distante 180 km de casa. Invertendo os papéis, levei meus pais, ao invés de ir com eles pela estrada afora.
Ainda assim, feito uma criança, não consegui ficar quieto, sentado numa mesa comprida, ouvindo histórias de gente que vi poucas vezes nos últimos anos.
Quando fico muito parado, meus pensamentos começam a acelerar. Aí preciso caminhar para colocar eles de volta na cadência. Assim, fui praticar um dos meus esportes prediletos: bater perna pelas ruas da cidade.
Perto da Matriz, vi essa casa amarela. O povo passa batido na frente dela e não se toca da elegância do projeto, provavelmente da década de 1960, quando ser requintado não significava estar algemado com a ostentação.
É uma casa simples, concordo, mas reparem na laje sobre o alpendre da sala, que se converte em abrigo de passagem para o carro da família. Ela não é plana, mas composta por um vértice bem suavizado, que coleta a água da chuva e a descarrega numa das quatro pilastras de ferro fundido, que ocupam o lugar do que seria um pilar de concreto robusto hoje em dia. Água que vai direto para a guia da calçada. Reparou nisso, também? E o que falar das pedras filetadas que adornam as empenas nas extremidades desse espaço de transição do exterior para o interior da casa?
Fiquei imaginando quantos netos já jogaram bola ali naquele corredor que liga o portão da rua até a edícula dos fundos.
O garotinho marca um gol chutando a bola de plástico com força, fazendo um "borolóing" na porta de enrolar da garagem que protege um Gordini - ou seria um DKW?
Mas ao invés de comemorar, ele leva uma bronca geral do vô, que tentava ler o Estadão no domingo de manhã, antes da macarronada.
A vó só ficava brava quando uma bola roçava no vaso com os hibiscos.
E quando a filha caçula saía para passear no sábado de noite? Os pais só dormiam quando escutavam o ruído do trinco encaixando na fechadura do portão.
Tenho que voltar para a festa. Perguntam por onde andei, pois estavam me esperando para tirar uma foto com todos os sobrinhos. Eles não jogam mais bola e não levam mais broncas - também não fotografam as casas singelas por aí.
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Sobre dirigir um carro de madrugada
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