Retorno de uma visita em obra e encontro um envelope negro sob o teclado do computador.
- O Rogério, da Todeschini de Americana, passou aqui e deixou um convite da reinauguração da loja para você - Informou minha esposa, que cobre minhas eventuais ausências no escritório.
Não conhecia o Rogério. Ele é consultor de novos negócios da Todeschini, tradicional fabricante de móveis planejados residenciais e corporativos. O trabalho de quem faz prospecção de clientes não é fácil. Os arquitetos não são os clientes em si, mas representam uma ponte para eles. E nem sempre arquitetos recebem gente como o Rogério no escritório, e alguns que recebem querem logo saber da porcentagem da reserva técnica que vão ganhar por um serviço fechado.
Não é fácil trabalhar com vendas quando é preciso lidar com arquitetos aéticos no meio do caminho. E não é fácil ser arquiteto quando você respeita o código de ética do conselho profissional, tentando viver apenas de projetos, sem comissões. Além do mais, arquitetos e fabricantes de móveis planejados padecem de um mal que eles mesmos ajudaram a criar: a elaboração de orçamentos sem compromisso, com desenhos detalhados em grau de serviço remunerado. Se você não faz uma apresentação de qualidade, o concorrente faz. São quatro, cinco deles, mas só um fecha o contrato.
É preciso uma dose de coragem para reinaugurar uma loja de móveis planejados no meio de uma recessão profunda. Acreditar que o mercado vai melhorar a ponto de justificar um alto investimento foi o que me fez aceitar o convite para dirigir de noite até outra cidade, enfrentando o horário de rush no trânsito pesado da metrópole campineira. Fui guiando enquanto ouvia Belle & Sebastian, deixando os outros carros me ultrapassar, pois já era mais de sete da noite e muita gente ainda estava chegando em casa, depois de um dia de trabalho duro.
Estacionei no posto de gasolina ao lado e caminhei até a recepção, onde uma morena alta, de cabelos curtos, conferiu meu nome na lista. Logo chegou o Rogério, que me apresentou para o Raphael, o gerente geral da loja. Na Todeschini de Americana você respira sofisticação em cada metro quadrado - e não estou recebendo um centavo sequer para escrever isso.
Logo tive que caminhar sozinho pelos ambientes, pois mais gente estava chegando. Eles chamaram os melhores profissionais da região de Americana, mas não havia mais ninguém de Paulínia ali. Isso não chega a ser um problema para mim. Já estive sozinho em festas antes e acabo conhecendo gente nova desse jeito.
A cozinha funcional da loja estava servindo um coquetel digno de formatura de faculdade. Garçons solícitos ofereciam espumante a todo instante. Observo atentamente a mesa de salgados e petiscos, indeciso sobre o que iria experimentar, quando a funcionária do buffet me perguntou:
- Posso apresentar a mesa para você?
- Claro que sim! Meu nome é Jean. Como a mesa se chama?
Não sei se ela sorriu por educação, por nervosismo ou se realmente achou graça na minha presença de espírito, mas o creme de gorgonzola com geleia de damasco que ela serviu me fez esquecer do nhoque da boa fortuna, que me esperava em casa, como tradicionalmente ocorre em todo dia 29.
Sentei numa poltrona para folhear uma revista da Todeschini. Havia uma reportagem sobre Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, onde fica sediada a fábrica, rodeada por adegas e aquela luz típica de filmes europeus - o que deve explicar, em parte, a inspiração de arquitetos e designers que lá trabalham, não só para a Todeschini, mas também para as suas concorrentes. A loja de Americana parecia uma embaixada daquela região.
Pergunto para a moça sentada ao lado se ela também é arquiteta. Ela responde que não. A Priscila é esposa do Raphael, mãe do pequeno Benjamin.
- Seu marido está de parabéns. Não sei se teria a coragem dele neste momento, mas o Brasil precisa de mais empreendedores como ele.
Não foi exatamente isso que disse, mas algo neste sentido. Complementei:
- Já orientei o Rogério que, se estiver visitando obras e ver uma placa minha, pode anotar o endereço e me informar. Não posso passar os dados do cliente para ele, mas posso fazer o contrário. Se o cliente retornar o contato, a venda será 100% dele. Só não posso prometer que ele vai ter um orçamento na mesa semana que vem. Não me cobrem isso.
Transparência total. É o mínimo que as pessoas merecem.
Não sei se eu merecia, mas antes de ir embora ganhei uma caixinha de brigadeiros e um chaveiro em forma de coração. Mais do que ganhar mimos, ganhei um sentimento de admiração pela Nova Todeschini Americana. Desejo sinceramente que esta reinauguração seja o primeiro capítulo de uma história de sucesso.
Muitos esperam a chuva passar para não se molhar na rua. Eles estão na Avenida Brasil desde já.
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