quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Humor, umidade & urbanismo

A água da chuva armazenada cai no vaso coletor do sistema de aproveitamento da mesma.
A água da chuva armazenada cai no vaso coletor do sistema de aproveitamento da mesma.

Sem ter estudos na área de medicina e biologia, não tenho como tecer palavras sobre a influência dos hormônios na corrente sanguínea de cada um, na promoção do bem estar ou não das pessoas. Apenas posso relatar que, as vezes, me sinto tão bem que posso passar horas ininterruptas trabalhando num projeto ou escrevendo algum texto desafiador. Por vezes, sinto que minha cabeça está vazia e me falta ânimo até para atender o telefonema de algum amigo.

Comecei a prestar atenção na influência do clima e da umidade relativa do ar no meu estado de espírito. Em dias do sol, com chuvas espaçadas e temperatura amena, sinto que meu rendimento está perto do ideal. Creio ser muito suscetível quando o cenário muda para uma longa estiagem, com semanas sem chuva e oscilações na temperatura. Lá pela segunda quinzena na secura, meu nariz fica trancado, acordo de manhã com olheiras, meus lábios ficam ressecados, minha garganta começa a raspar e fico de mau humor.

Não por acaso, o humor tem a ver com a umidade. Quando alguém te dá uma resposta seca você logo pensa que a pessoa está de mau humor. A associação está correta, pois a raiz das palavras "humor" e "umidade" é a mesma da palavra "húmus"- relativa ao solo fértil, algo muito sugestivo para aqueles que tem ofícios relacionados com a criatividade.

Intuitivamente busquei resolver meu problema de mau humor nestes dias secos de agosto, fazendo um experimento com o sistema de aproveitamento de água da chuva que idealizei para minha casa e escritório. Liguei a cascata artificial que joga a água de chuva armazenada num vaso coletor que leva o fluído de volta para uma cisterna.

Deixei a porta aberta para que a brisa pudesse carregar um pouco de umidade para o ambiente interno da construção. Em pouco minutos senti uma melhora significativa nas minhas vias respiratórias, deixando de puxar o ar com a boca para usar de novo as narinas. Meu astral também melhorou e não saberia dizer se foi por autossugestão ou por algum motivo real.

Repeti esta operação em duas ocasiões, com resultados semelhantes. Na última delas lembrei da cidade de Roma e compreendi o motivo pelo qual os romanos são apaixonados por suas fontes públicas: elas borrifam o ar seco das praças e largos da cidade, contribuindo com o bom humor dos transeuntes. Vejam só: o bom humor das pessoas depende também de questões urbanísticas.

Por isso lamento pelas decisões equivocadas dos paulistanos, que passaram décadas canalizando córregos, riachos e até rios inteiros na Grande São Paulo. Fica fácil compreender a razão de tantos paulistas serem estressados, vivendo em cápsulas de ar condicionado que roubam a umidade relativa do ambiente de carros, apartamentos e escritórios. Em São Paulo os espaços públicos, que deveriam atuar como refúgio para os mais sensíveis - como eu - são ilhas impermeabilizadas de calor, concreto e asfalto, salvo raras exceções, como o Parque do Ibirapuera.

O que dizer dos cariocas? Eles foram abençoados pela natureza com a Baía de Guanabara e a Lagoa Rodrigo de Freitas. As praias de Copacabana e Ipanema explicam a razão da fama de bom humor daqueles que vivem no Rio de Janeiro. E mesmo eles estão conseguindo estragar tudo, poluindo suas águas e trazendo maus fluídos para a malha urbana. Se dizem que o Rio é uma cidade decadente, coloquem parte da culpa no esgoto e no lixo não reciclado que contamina a paisagem.

Felizes são aqueles que vivem em Buenos Aires, nas margens do Rio da Prata, que parece um mar sem o prejuízo da maresia, que corrói a lataria dos carros e as esquadrias metálicas das casas. Já Brasília, sem o Lago Paranoá, seria ainda mais seca e inóspita. Tanto a cidade como o lago no Planalto Central do Brasil saíram das pranchetas de urbanistas como Lucio Costa - uma prova inconteste de que o bom humor, a umidade e o urbanismo navegam pelas mesmas águas.

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