sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Um quarentão estranho na sala do cinema

Cartaz promocional do filme "Doctor Strange", que estreou nos EUA em 04 de novembro de 2016.
Cartaz promocional do filme "Doctor Strange", que estreou nos EUA em 04 de novembro de 2016.

Ainda tenho guardado, numa caixa de sapato, os gibis de super-heróis que lia na adolescência: Homem Aranha, Batman, Super-Homem, Hulk, Surfista Prateado, Capitão América e outros. Não lembrava muito bem do Doutor Estranho, pois há muito tempo parei de ler essas coisas. A gente cresce e se interessa por leituras mais profundas - ou pelo menos acredito que deveria ser assim.

Nos últimos anos tenho lido sobre filosofia, mitologia, teologia e algumas outras "ias" que me fizeram aceitar bem o fato de que agora sou um quarentão. Se estou de bem com minha idade mentalmente, meu corpo não acompanhou este processo. Pelo contrário, ele me lembra diariamente que estou ficando velho, sempre que acordo de madrugada para esvaziar a bexiga. Isso não acontecia antes.

Antes tinha o maxilar bem definido e meu queixo não era o cabide da enorme papada que está se pendurando nele, me deixando com cara de tomate. Os cabelos brancos insistem em pipocar nas têmporas e os cabelos castanhos se jogam um a um, do topo da minha testa direto para o ralo do chuveiro - este buraco negro que nos suga a juventude. E minha barba, então? Está multi-colorida: castanha, ruiva, loira e branca.

Vou jogar bola no domingo e acordo moído na segunda-feira. Se levo uma pancada na canela, a mancha roxa leva semanas para sumir. Não consigo mais dar um pique de dez metros para cabecear uma bola de escanteio. Abaixo as mãos sobre os joelhos e fico bufando feito um maratonista na linha de chegada.

Completar quarenta anos é uma droga. Seus amigos ficam te lembrando para fazer o exame da próstata - logicamente estão muito preocupados contigo. O pior é que o médico nem te convida para tomar um drinque antes. "Você está muito bem! Volte no ano que vem." Nem o Whatsapp ele te dá.

Um consolo em fazer quarenta anos, é saber que os outros também fazem. O ator Benedict Cumberbatch, por exemplo, é apenas alguns meses mais novo do que eu. Comecei a prestar atenção em seu trabalho vendo os episódios estendidos da BBC de Londres sobre as novas aventuras de Sherlock Holmes. Uma rápida pesquisa pelo Google e sabemos que ele também faz teatro - inclusive peças de William Shakespeare. O cara é sério, longe de ser uma celebridade fabricada por Hollywood.

Por causa dele me interessei em assistir o novo filme da Marvel, "Doutor Estranho". Fui caminhando até o cinema perto de casa pensando que, aos quarenta anos, ele já tinha feito tanta coisa relevante e eu estava aqui, numa cidadezinha do interior, embora isso não me incomode na maior parte do tempo - apenas quando me pergunto o que teria acontecido se tivesse tomado um caminho diferente na vida.

Sento sozinho na fileira central da sala. As poucas pessoas que me acompanham na sessão se acomodam mais para o fundo. Um casal chega atrasado com uma filha no colo. Quase pergunto para eles se pretendem mesmo fazer uma menina de apenas dois anos assistir um filme não indicado para menores de doze. Ela, previsivelmente, começa a resmungar. Não entendeu nada, a coitada.

Quando as luzes são projetadas na tela a magia começa e nos isolamos do resto do mundo. Queria mesmo me empolgar com o filme, que de fato é muito bem produzido e tem alguns diálogos dignos de nota - um pouco místicos e até filosóficos. "É a morte que traz sentido para a vida" - Uau! Será que as pessoas vão pensar sobre isso depois que o filme acabar?

Mas logo começam as cenas pirotécnicas, os sons estrondosos e todos aqueles efeitos especiais que se sobrepõem a qualquer tentativa dos atores em nos entregar personagens menos rasos. Como já imaginava, fizeram um filme para encantar os adolescentes que leem os gibis, não os quarentões como eu. Obviamente os quarentões que ainda se comportam como adolescentes vão adorar o filme e torcer por uma continuação. Não é o meu caso.

Filmes para adultos não rendem mais bilheteria. Este é mais um aspecto com o qual nós, quarentões conscientes, deveremos lidar de agora em diante: a falta de opções para ir ao cinema. No fim das contas, nós é que somos os verdadeiros estranhos nessa história.

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