domingo, 23 de novembro de 2025

Sobre bandas de rock e irmãos

Uma multidão acompanha o show do Oasis em São Paulo.
Uma multidão acompanha o show do Oasis em São Paulo.

Nasci em 1976 e passei os anos 80 ouvindo Beatles. Ganhei o primeiro disco de vinil aos sete anos de idade e completei a coleção original deles (com os discos dos anos 60) aos 14. Mas os Beatles se separaram em 1970, então não tive a chance de vê-los ao vivo.

Entre a adolescência e a juventude da fase adulta, senti que precisava sintonizar algo de meu tempo e curtir sons da minha época. Para quem gostava de Beatles nos anos 90, seria natural se acostumar com o som do Oasis, mas a primeira banda que capturou meus ouvidos foi The Verve. Passei os primeiros meses da carreira de arquiteto ouvindo The Verve noites adentro, sozinho na edícula da casa de meus pais, desenhando os primeiros projetos.

Pouca gente no Brasil conhece o conjunto The Verve a ponto de saber que seu vocalista e poeta pós-moderno se chama Richard Ashcroft, um gênio subestimado de nosso tempo.

Depois, sim, veio o interesse pelos Oasis, com a vantagem de que eles faziam excursões pela América Latina, de vez em quando. Já crescidinho e com algum dinheiro no bolso, fui a um show deles em 2005, no estacionamento do Credicard Hall, nas margens do Rio Pinheiros em São Paulo. Choveu naquela noite. Eu não sabia, mas semanas depois conheceria minha esposa. Foi um período de transição na minha vida.

Em 2009 fui ao segundo show do Oasis, no estacionamento do Parque Anhembi, nas margens do Rio Tietê em São Paulo. Choveu naquela noite. Minha afilhada e um primo estavam comigo. Já sabia que semanas depois estaria casado. O que não sabia é que os irmãos Noel e Liam Gallagher brigariam nos bastidores de um show em Paris e acabariam com o Oasis "para sempre". 

Esse "para sempre" durou 16 anos. Se a mulher do Lennon se casou com ele e separou os Beatles, a mulher do Noel se separou dele e reuniu o Oasis...

Agora, em 2025, fui ao terceiro show do Oasis, no estádio do Morumbi em São Paulo. Choveu só na estrada, que bom. Minha afilhada, já casada, foi comigo de novo. O marido dela também. Minha irmã e o filho dela (meu afilhado) também. Minha esposa e minha filha, que herdou o gosto pelo Oasis, também. Alugamos uma van. Fui no banco da frente, conversando com o motorista, que vou chamar de Cláudio. Não sei o que acontecerá nas próximas semanas, salvo que completarei 50 anos. A juta do barril: meio século! Assim, cada show do Oasis que assisti foi um marcador de passagens importantes da minha trajetória.

A abertura foi conduzida por Richard Ashcroft, aquele mesmo do The Verve. Subitamente me senti com 23 anos de novo, ouvindo seus clássicos (para mim são clássicos) lá do anel superior da arquibancada. Ele tinha cerca de 4 milímetros de altura para mim, mas o som falou alto, bem alto, nos ouvidos. 

A plateia não se empolgou muito até o momento de tocar "Bitter Sweet Symphony", um dos hinos da juventude dos anos 90. Quis pedir desculpas para ele, que merecia aplausos mais efusivos. Mas a turma estava lá para por causa do Oasis.

Quando eles subiram no palco... que estrondo! As arquibancadas começaram a chacoalhar. O grito da multidão foi quase ensurdecedor. Os irmãos Gallagher simularam gestos de cumplicidade, mas logo ficou claro que estavam ali de modo profissional, sobretudo. E que profissionais! Entregaram um rock despido de superproduções. Logicamente, os telões funcionaram bem como suporte para quem estava lá no fundo, mas o som ao vivo deles guardava aquela crueza que fazia sentido nas bandas tradicionais de rock.

Ao todo eles executaram o equivalente a dois álbuns repletos de grandes sucessos, incluindo "Live Forever", "Masterplan" e "Wonderwall". Foram duas horas de espetáculo que valeram o ingresso. Porém, ao final da apresentação, a banda não se juntou na frente do palco. Cada um foi embora por um canto após tímidos abraços e cumprimentos.

Um show de rock não é só o que acontece no palco. Tem o antes e o depois. O antes com a chegada no estádio, deixando a visão se acostumar com o colosso de concreto e com o povo se aglutinando aos poucos. Tem a cumplicidade momentânea com os estranhos que sentam ao nosso redor. A família que veio do Nordeste, a balzaquiana que mora a apenas cinco quilômetros do estádio. O casal que não parava de fumar os cigarrinhos do capiroto, uns metros para baixo, sem que alguém os incomodasse.

Na saída do espetáculo, aquele mundaréu de gente caminhando, ainda em transe, pelas ruas e avenidas do entorno, até que vem o alívio de avistar a van estacionada no lugar combinado.

O Cláudio, motorista da noite, é gente fina "pra caramba". Fui cutucando ele de leve e tirando insights de sua biografia. Seu pai era pernambucano e sua mãe era mineira. Eles fugiram para São Paulo, pois os pais dela eram contra o casamento. Tiveram cinco filhos, o Cláudio e quatro irmãs. O Cláudio começou a carreira em São Paulo, mas se mudou para o interior junto com a fábrica da empresa multinacional, onde trabalhava. Lá ele construiu uma bela casa com piscina e, muito anos depois, se aposentou.

O Cláudio voltou a trabalhar, como motorista de van, para completar o dinheiro da mensalidade da faculdade da filha caçula e da parcela do carro que deu para ela. Paizão! Que anda de moto estradeira quando a agenda permite.

Ele disse que a família se reúne em sua chácara durante o Natal. Alguns vão dormir na casa da irmã que mora ali perto, a única com quem ele não se entende muito bem, por causa de uma herança. O dinheiro que reuniu os irmãos Gallagher depois de 16 anos estremeceu a relação do Cláudio com sua irmã.

Falei para ele deixar tudo isso de lado, pois queria muito ter a chance de abraçar meu irmão novamente. Ele perguntou o que aconteceu. Consegui explicar, sem engasgar, que foi um acidente de carro. Depois de muitos anos a gente consegue conversar sobre isso como se fosse algo que aconteceu com a família dos outros.

Então, o portal mágico que congrega almas avisou que ia se fechar. Chegamos em nossa cidade. Algo me dizia que o Cláudio se entenderia com a irmã dele. Acho que os irmãos Gallagher seguirão com as rusgas acobertadas deles e vou continuar sentindo saudades do meu irmão.

Também acho que nunca mais verei o Richard Ashcroft de novo. Nem o Cláudio. Mas lembrarei deles com pesos semelhantes naquela pasta sobre o show de reunião do Oasis em São Paulo, quando saboreei sanduíches de peito de frango desfiado com maionese, que minha irmã fez com tanto capricho para todos que toparam ir comigo passar uns perrengues recompensadores.

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