segunda-feira, 28 de maio de 2018

De volta ao século retrasado

Família de colonos de origem prussiana, vivendo no noroeste gaúcho por volta de 1950, nos moldes do século 19.
Família de colonos de origem prussiana, vivendo no noroeste gaúcho por volta de 1950, nos moldes do século 19.

Após uma semana de greve geral dos caminhoneiros no Brasil, o país começa a sofrer os efeitos do desabastecimento. Postos de combustíveis fecham. Frutas, verduras, ovos e carnes desaparecem das prateleiras dos supermercados. As ruas das cidades ficam mais tranquilas, com menos carros circulando.

Subitamente, tirar o automóvel da garagem passou a ser uma atividade de luxo. Como é impossível recusar o convite dos pais para almoçar juntos no domingo, calculamos que rodar pouco mais de 20 quilômetros não faria um grande estrago no tanque de gasolina.

O que era absolutamente corriqueiro há poucos dias, passou a ser um evento especial: visitar os pais num domingo, mesmo com eles morando na mesma cidade, que depois de décadas volta a ver cavalos galopando pela avenida central - e não é semana de quermesse da igreja, e não é feriado de Nossa Senhora.

Tanto a família de meu pai como a família de minha mãe era de sitiantes descendentes de europeus. Meus avós e bisavós não tinham carros. Quando muito tinham cavalo e carroça. A caminhada para visitar parentes nos fins de semana era longa. Quando as caminhadas duravam horas, as famílias acordavam cedo e os anfitriões sabiam que elas não ficariam para o jantar.

Num mundo sem caminhões e sem telefones, as pessoas tinham laços comunitários mais fortes. Quando se visitavam, declaravam claramente o apego de uns pelos outros.

Não havia o costume de fazer compras na esquina. As pessoas das colônias trocavam mantimentos. Quem plantava mandioca trocava uma parte por leite de vaca do vizinho. O fubá era trocado por cebolas ou batatas. A conta na carpintaria era paga com fardos de cenouras. Talvez arrobas de laranjas.

Meus avós nasceram no século 20. Mas a greve dos caminhoneiros me fez concluir que eles viveram grande parte de suas vidas nos moldes do século 19, em lugares onde um caminhão passava por perto uma ou duas vezes por semana.

Então, ter um quintal um pouco maior e criar galinhas nele deixou de ser um símbolo do atraso, ou um apego a valores nostálgicos. Quando os ovos faltam na mercearia, mas aparecem magicamente no poleiro da chácara, sabemos da importância que os caminhoneiros tem em nossas vidas.

Porém, o século 19 acabou. O século 20 também. E o século 21 não pode ser marcado pela dependência de uma classe de trabalhadores. Precisamos de mais maquinistas de trens e de mais capitães de navios de cabotagem: personagens de séculos passados que precisam ressurgir no presente.

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