terça-feira, 1 de maio de 2018

Miolo de feriado no centro de Campinas

Quando a sociedade dá as costas para os excluídos, o caminho para a salvação fica obstruído e a perspectiva fica sem ponto de fuga.
Quando a sociedade dá as costas para os excluídos, o caminho para a salvação fica obstruído e a perspectiva fica sem ponto de fuga.

Segunda-feira, véspera de feriado do Dia do Trabalho. O trabalho seguia morno na tela do computador. A esposa indaga:

- Você não precisa comprar um presente de aniversário para sua mãe?

Ela nunca faz afirmações. Ela prefere perguntar, para me dar a chance de fazer a coisa certa.

- Em que shopping você quer ir? Espere. E se desta vez fôssemos para o centro de Campinas?

Há tempos ensaiava uma escapada para lá. Levei minha máquina fotográfica. Como muitos campineiros foram para Caraguatatuba ou Campos do Jordão, a metrópole ficou transitável - sem parecer deserta. O comércio funcionou normalmente.

Estacionamos o carro perto da Avenida Orozimbo Maia. Caminhando lentamente para o calçadão da Rua 13 de Maio, fui clicando as igrejas, as praças e os palácios. Entrei na Livraria Pergaminho, a da esquina perto da estátua de Carlos Gomes.

- Bom dia! Você tem algum livro do Ignácio de Loyola Brandão?

Vejam que absurdo: tenho um autógrafo do Loyola. Ele fez menção sobre o meu primeiro livro em uma de suas crônicas. Mas ainda não tinha um livro dele em casa. Imperdoável. O Caju me traz uma coletânea de crônicas selecionadas por Cecilia Almeida Salles, publicadas no Estadão entre 1993 e 2004. Brandão ganhou o mundo escrevendo sobre Araraquara e São Paulo. Agora ele virou personagem de uma crônica sobre Campinas.

Peço para minha esposa segurar a mão de nossa filha, enquanto me agacho para fazer mais uma foto, mostrando a embalagem de sanduíche esquecida perto da escadaria da catedral. Lá dentro, ela mostra Jesus Cristo crucificado num altar. A menina não entende a razão dele estar machucado.

Como criança cresce rápido, logo lhe compramos algumas roupas, bem mais em conta do que em Paulínia. Mas ainda não tínhamos garantido o presente da minha mãe. Na vitrine seguinte, das Casas Pernambucanas, vemos um roupão. Nossa filha escolhe o modelo.

Vou para o caixa. O senhor na minha frente alerta que estou na fila dos prioritários. Vou para a fila normal, ombro a ombro com ele.

- Vamos ver quem será chamado primeiro?

Eu ganhei, mas cedi a vez para o cavalheiro, que me deu um tapinha nas costas em agradecimento.

Descemos para o Mercadão. Minha filha, de quase cinco anos, nunca tinha entrado lá. Minha esposa também não. Outro absurdo - atenuado pelo cheiro de pimenta calabresa misturado com o odor de fumo de rolo. As coxinhas no óleo de fritura fazem o acompanhamento para o alarido. Santinhos e varas de pescar disputam espaço e atenção. Vendedores sorriem como se fôssemos antigos clientes.

Na subida para a Avenida Francisco Glicério, as pernas da menina amolecem. Levo ela em meu colo. A pernada de volta para o estacionamento seria longa. Paramos no Coliseu para tomar um refresco. Sentados na mesinha sob um toldo de lona, com a tarde se esvanecendo diante de nós, passo a régua no dia:

- Carol, esta é a sua cidade. Você nasceu aqui. O papai e a mamãe também. Nem tudo é bonito e arrumado, mas nós temos que amar nossa cidade.


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