terça-feira, 10 de abril de 2018

E se Van Gogh fosse bom de marketing?

"Sorrowing old man" (1890). Pintura de Vincent van Gogh (1853-1890) exposta no Kröller-Müller Museum em Otterlo, nos Países Baixos.
"Sorrowing old man" (1890). Pintura de Vincent van Gogh (1853-1890) exposta no Kröller-Müller Museum em Otterlo, nos Países Baixos.

Van Gogh nasceu no seio de uma família cristã protestante na Holanda. Ele foi um pintor fracassado em vida, confundido com alguém com sérios problemas mentais. Mesmo sem vender um quadro por anos a fio, ele fez mais de dois mil trabalhos.

A imagem acima reproduz uma de suas últimas obras. O velho de sapatos e pijamas tenta se aquecer perto do fogo da lareira. Está curvado com as mãos cobrindo a face. O que vemos é o reflexo do próprio Van Gogh: um homem arrependido, desesperado, inconformado, no ocaso da vida. Podemos ter compaixão dele sem ressalvas.

Do ponto de vista do marketing, esse quadro nunca seria usado para vender margarina ou pasta de dentes. No marketing parece não haver espaço para lamentações, desânimo, solidão - embora tais conceitos tidos como negativos também nos construam como seres humanos.

No marketing, tudo o que parece importar é que devemos ser felizes o tempo todo, pois merecemos isso e somos convencidos disso toda vez que ligamos a TV ou vemos uma vinheta no YouTube antes do nosso vídeo de interesse.

Pouco tempo depois de concluir essa tela, Van Gogh cometeu suicídio. Ele, como cristão protestante, sabia que isso representava uma condenação ao inferno. Van Gogh preferiu rumar para o inferno do que permanecer só e completamente ignorado, incompreendido na sua Arte. Ele deu a sua vida por ela.

Hoje, eu, cristão protestante e sequestrado sem resgate pela minha fé, vejo o velho triste de Van Gogh e tenho vontade de fazer uma prece ao Senhor, para que ele se compadeça do artista e leve sua alma para o paraíso, onde as noites são estreladas como num de seus quadros.

Van Gogh, com toda a sua dor, nos aproxima do divino.

Temo pelos avanços científicos. Um dia, alguém pode inventar a máquina do tempo. Talvez queriam conduzir Van Gogh, do século 19 na Holanda, para Miami no século 21. Quem sabe um encontro poderia ser promovido com Romero Britto. Ou talvez Van Gogh fique disfarçado, como mais um anônimo, para ver uma palestra do renomado artista brasileiro sobre como vender quadros e ganhar dinheiro com pinturas.

As obras de Romero Britto são alegres, supercoloridas, com cada cor isolada por fortes contornos negros, que aprisionam os cacos artificiais de felicidade que ele vende. Do ponto de vista do marketing, Romero Britto é um exemplo a ser seguido.

Van Gogh poderia aprender muita coisa com Romero Britto. Então nunca conheceríamos o seu velho de sapatos com pijamas. E o Banco Santander não usaria seu nome para paparicar clientes que compram telas de Romero Britto. Pois o marketing subverte tudo.

Porém, o marketing não é tudo. A estética não pode ser comprada em separado da ética. Quando cedemos sem questionamentos aos apelos do marketing, perdemos um pouco daquilo que também nos faz seres humanos. E ao invés de consumir coisas, somos consumidos.

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