quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Bob "Nobel" Dylan

Quando todos os bilhetes são premiados: show dos Rolling Stones com Bob Dylan.
Quando todos os bilhetes são premiados: show dos Rolling Stones com Bob Dylan.

Na madrugada de 14 de abril de 1998, terça-feira, cheguei em casa por volta de 4:30 horas. Deu tempo de tomar um banho e cochilar um pouco, pois às 8:30 horas em ponto eu deveria estar na sala de aula do curso de Arquitetura da PUC de Campinas, para fazer a primeira apresentação oral do meu projeto final de graduação, valendo 50% da nota do semestre.

Quando os professores pediram para que eu fosse até a lousa mostrar meus desenhos e falar sobre o partido arquitetônico escolhido, minha olheiras abraçando os olhos vermelhos anteciparam minha voz rouca. Perguntaram se eu estava doente. Respondi que não. Tinha ido ao show dos Rolling Stones com Bob Dylan na véspera. Os professores me dispensaram e fui o único aluno que pode apresentar o trabalho com uma semana de atraso - um privilégio concedido para o único aluno da classe que prestigiou os ídolos da geração de seus professores. Eram meus ídolos também, e são até hoje.

Lembro de ter convidado alguns colegas para ir comigo. Além do preço proibitivo dos ingressos, a semana decisiva na faculdade estava pesando. O jeito foi me virar sozinho. Comprei a passagem num ônibus fretado que saiu de Campinas para São Paulo na segunda-feira. Sentei ao lado de uma aluna de Odontologia, uma menina bem "prafrentex" para o nosso tempo.

A garota era um torvelinho. Chegamos ainda de tarde no Estádio Ícaro de Castro, na pista de atletismo do Ibirapuera. Ela foi se embrenhando no meio da platéia, tentando chegar o mais perto possível do palco. Fui em seu encalço até que alguns cotovelos mais incisivos nos barraram. Espremida entre marmanjos, ela começou a se abanar com as mãos. Ficou ofegante e desmaiou.

"Ferrou" - pensei. "Vou ter que levar ela para a enfermaria e vamos perder o espetáculo". Chamaram os seguranças. Um deles a carregou nos braços. Ou outro perguntou se eu estava com ela. Respondi que sim. Nos levaram até o cordão de isolamento. No caminho ela levantou a cabeça por trás de um dos ombros do armário caminhante e me deu uma piscadela com o olho direito.

Ela começou a respirar estufando o peito e disse que já estava bem melhor. Os seguranças nos deixaram ali mesmo, na beira do palco. Foi dali que vi a Cássia Eller pela primeira vez, e sua comitiva rocambolesca de frente também. Depois foi a vez de Bob Dylan se apresentar.

Sinceridade das sinceridades? No fim dos anos de 1990 Bob Dylan já estava fanho. Suas execuções ao vivo não guardavam fidelidade com as versões gravadas em estúdio. E daí? Era Bob Dylan, o menestrel do século 20.

Finalmente os Rolling Stones surgiram pelas pontes da Babilônia - o tema da turnê daquele ano. Eram os grandes rivais dos Beatles, só que nunca largaram o osso. O clímax da noite foi quando Mick Jagger chamou Bob Dylan para cantarem juntos "Like a Rolling Stone". Estavam lá Keith Richards, Charlie Watts, Ron Wood, uma multidão, eu e a estudante de Odontologia testemunhando tudo - esqueci o nome dela, acho que era Patrícia.

É claro que aquele show foi memorável. Aquela noite significou muito para mim. Pela primeira vez vi de perto pessoas que eram como personagens dos gibis que lia. Talvez os Rolling Stones e Bob Dylan fossem heróis criados por Stan Lee ou Will Eisner e ninguém nos avisou. Mas eles eram de carne e osso. Eu comprovei.

E agora posso dizer - mero mortal que sou - que vi de perto um vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. Parabéns, Bob Dylan! Eu sempre soube que você escrevia bem demais da conta.
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4 comentários:

  1. Pô, Jean!
    E você não disse nada sobre um álbum do Bob Dylan, com 5 lp's praticamente virgens, que eu comprei numa feira de usados ao lado do Mercado Municipal de Caçapava? E você, quando viu, "se auto presentou" com a minha valiosa aquisição que custara R$ 4,00?
    rsrs...

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    1. Sim! E ia escrever sobre isso, mas o texto ficaria muito comprido e as pessoas desistiriam de ler até o fim. Esses discos são assunto para um artigo exclusivo. Abraço!

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  2. Jean Tosetto escrevendo sobre assuntos difíceis já é uma beleza. Imagina quando ele escreve sobre um tema pelo qual está entusiasmado. Eu tinha um alerta no meu celular para o anúncio do Nobel de Literatura (hoje, 8 horas da manhã). Vi o anúncio ao vivo e pude presenciar quando a apresentadora (ainda falando em Alemão) anunciou o vencedor. Pela primeira vez, em cerimônia desse tipo eu vi (ouvi) gritos entusiasmados da plateia formada por jornalistas do mundo todo. Tive a certeza de que essa notícia iria ser uma unanimidade. Jean nos dá, neste artigo, uma amostra de como estamos empolgados com a notícia, todos nós, fãs da boa música e, por decorrência, de Bob Dylan.

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    1. Confesso que, em edições anteriores do prêmio, anunciavam o vencedor do Nobel de Literatura e a pergunta que vinha na cabeça era: "Quem?"
      Bob Dylan é merecedor da honraria não por ser famoso, mas por passar décadas nos dizendo coisas relevantes, através das letras de suas canções.

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